Brasil soma recordes de mortes por covid-19 há dez dias seguidos

Estados e municípios brasileiros impõem medidas de confinamento, Bolsonaro rejeita e diz que “chega de mimimi”.

Foto
A campanha de vacinação no Brasil decorre a ritmo ainda lento Reuters/BRUNO KELLY

O Brasil continua a somar recordes de mortes diárias pela covid-19, mas o Presidente, Jair Bolsonaro, continua a defender que não deve haver confinamento, enquanto alguns governadores tentam decretar medidas de contenção nos seus estados.

Uma das grandes preocupações é o sistema de saúde, com a covid-19 a ser responsável pela morte de 470 profissionais de saúde desde o início da pandemia, numa média de 1,3 óbitos por dia, segundo o jornal Folha de São Paulo. Isto excluindo ainda os dados da semana, quando se registaram mais mortes no total da população do país no país: 10.183 mortes, a pior semana desde o início da pandemia.

Esta segunda-feira contavam-se 47 dias consecutivos com um número de mortes diárias acima de mil. A média móvel a sete dias passou os 1500 e o país completava uma sequência de dez dias de recordes deste indicador de óbitos (considerado o mais fiável já que contempla variações aleatórias de registos), segundo um consórcio da imprensa brasileira que recolhe dados (já que o Ministério da Saúde parou de os divulgar).

Face a este agravamento, os governadores dos estados começaram a aplicar medidas de confinamento, a que o Presidente, Jair Bolsonaro, se opõe, tendo afastado, de novo, a hipótese de um confinamento nacional. “Alguns querem que eu decrete lockdown, não vou decretar e pode ter certeza de uma coisa, o meu Exército não vai para a rua obrigar o povo a ficar em casa”, disse Bolsonaro, citado pelo site Terra.

Na semana passada, Bolsonaro disse que era preciso enfrentar a pandemia “de peito aberto": “chega de frescura, de mimimi”, declarou. “Vão ficar a chorar até quando? Vão ficar em casa e fechar tudo até quando? Já ninguém aguenta mais”, disse, acrescentando que lamenta as mortes.

Mas vários estados e municípios tomaram as medidas que Bolsonaro não quer tomar.

O estado de São Paulo, o maior do país com 46 milhões de habitantes, decretou “código vermelho”, o que quer dizer que só estão abertos serviços essenciais, a começar no sábado e durar pelo menos duas semanas.

 A cidade do Rio de Janeiro anunciou, pelo seu lado, restrições ao funcionamento de bares e restaurantes, que têm de fechar até às 17h, e foi decretada uma proibição geral de permanência na rua ou espaços públicos entre as 23h e as 5h. Nas praias os quiosques e barracas ficarão fechados e não vai ser permitida a venda ambulante.

Noutros estados há medidas desde a passagem de todas as aulas a ensino remoto ou de recolher obrigatório, por exemplo entre as 22h e as 5h no Pará.

A situação no Brasil causa preocupação não só no país mas também fora.

“O Brasil está a ficar na história como um caso de estudo dos efeitos de uma liderança falhada numa emergência de saúde”, disse Maria Caldas de Castro, investigadora de Saúde Global da Universidade de Harvard, ao New York Times. “O modo como medimos o custo é em vidas perdidas” – o Brasil é o segundo país com mais mortes a seguir aos Estados Unidos.

O facto de o vírus circular com poucas restrições faz ainda com quem seja mais provável o aparecimento de novas variantes, e o que se passou em Manaus parece especialmente problemático: uma cidade com uma taxa de infecção tão grande na primeira vaga, em Abril e Maio, que se pensou que poderia haver algum tipo de imunidade na população – até Outubro, um estudo de dadores de sangue sugeria que três quartos da população tinham tido infecção pelo SARS-CoV-2.

Mas isto não impediu que a cidade visse uma segunda vaga de infecções, e cientistas pensam que um dos factores poderá ser a variante P.1, detectada no Japão num caso de uma pessoa que vinha de Manaus, e que poderá evadir mais facilmente a imunidade (outras hipóteses incluem a imunidade ter enfraquecido). Em Janeiro, a variante parecia ser a dominante no estado, onde se viveu uma situação dramática nos hospitais, que chegaram a ficar sem oxigénio.

Para já, algumas vacinas têm-se mostrado mais promissoras contra esta variante (que está presente entretanto em vários países, incluindo Portugal), mas a vacinação está anda a um ritmo muito lento na maioria dos países. Ester Sabino, especialista em doenças infecciosas na Universidade de São Paulo, disse ao Wall Street Journal que há uma lição a tirar daqui: “Podem vacinar a população toda e apenas controlar o problema durante um pequeno período de tempo se, noutra parte do mundo, aparece uma variante: ela há de lá chegar um dia”.

Sugerir correcção
Comentar