Bolsonaro diz que cloroquina pode não ter eficácia, mas reforça-a como tratamento para a covid-19

O Ministério da Saúde abriu a possibilidade de a cloroquina poder ser prescrita a pacientes com sintomas leves, desde que haja acordo com o médico. “Ainda não existe comprovação científica”, disse o Presidente, mas “estamos em guerra”.

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LUSA/JOEDSON ALVES

O Governo brasileiro divulgou o novo protocolo de tratamento para pacientes infectados com o novo coronavírus que amplia a possibilidade de os médicos, com o acordo do doente, prescreverem cloroquina e hidroxicloroquina mesmo a quem apresente sintomas leves. O Presidente, Jair Bolsonaro, reconhece que os estudos científicos não garantem a eficácia do tratamento, mas diz que o país enfrenta uma “guerra”.

A aprovação do novo protocolo de recurso à cloroquina é uma vitória de Bolsonaro num braço-de-ferro que dura quase desde o início da pandemia da covid-19 no Brasil e que esteve na origem das demissões de dois ministros da Saúde. Bolsonaro tem defendido a utilização da substância, utilizada no tratamento da malária e de outras doenças, para pacientes com a covid-19, contrariando as recomendações da comunidade médica.

Logo após a divulgação das novas regras de tratamento, Bolsonaro comemorou a sua entrada em vigor. “Ainda não existe comprovação científica, mas sendo monitorada e usada no Brasil e no mundo. Contudo, estamos em Guerra: ‘Pior do que ser derrotado é a vergonha de não ter lutado.’”, afirmou o Presidente, através do Twitter.

O uso da cloroquina tornou-se em arma política no Brasil, onde a pandemia progride de forma descontrolada – só na terça-feira registaram-se mais de mil mortos. O próprio Bolsonaro gracejou com a polarização em torno do tratamento: “Quem é de direita toma cloroquina, quem é de esquerda toma tubaína”, disse numa entrevista, referindo-se a um tipo de refrigerante tradicional brasileiro.

O novo protocolo para o tratamento através da cloroquina mantém a necessidade de haver um acordo entre médico e paciente, que deve assinar um termo de responsabilidade em que é afirmado que “não existe garantia de resultados positivos para a covid-19 e que o medicamento proposto pode apresentar efeitos colaterais”. São enumerados efeitos como a “redução de glóbulos brancos, disfunção do fígado, disfunção cardíaca e arritmias” e “danos na retina”.

O paciente é também informado que, para além destes efeitos secundários, a utilização da cloroquina pode levar a outros “menos graves ou menos frequentes, os quais podem levar à disfunção de órgãos, ao prolongamento da internação, à incapacidade temporária ou permanente e até ao óbito”.

A Organização Mundial de Saúde (OMS) voltou a desaconselhar o recurso à cloroquina, embora não tenha mencionado directamente o caso do Brasil. “Nem a cloroquina nem a hidroxicloroquina têm sido efectivas no tratamento da covid-19 ou nas profilaxias contra a infecção pela doença. Na verdade, é o oposto”, afirmou o director de emergências da OMS, Michael Ryan.

Entre a comunidade médica brasileira, o consenso é também de evitar a recomendação da cloroquina. Esta semana, três sociedades médicas assinaram um documento em que estabelecem as directrizes para o tratamento da covid-19, concluindo que “não há intervenções farmacológicas com efectividade e segurança comprovada que justifiquem o seu uso de rotina”.

Para Bolsonaro, a cloroquina tornou-se um instrumento vital no combate à covid-19, sobretudo porque a existência de um tratamento bem-sucedido iria fortalecer a sua oposição a medidas preventivas, sobretudo o isolamento social. Ao contrário da grande maioria dos governos mundiais, o Governo federal brasileiro tem adoptado muito poucas medidas para garantir que a população possa reduzir o contágio do novo coronavírus.

Entretanto, o Governo mantém-se sem nomear um novo ministro da Saúde, depois das saídas de Luiz Henrique Mandetta e de Nelson Teich, ambos em discórdia com Bolsonaro. O general Eduardo Pazuello mantém-se no cargo de forma interina e em menos de uma semana nomeou 13 militares para o Ministério da Saúde.

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