Como descobri a saúde e a beleza na cannabis

O que é que a apresentadora Chelsea Handler, a cozinheira Martha Stewart e a modelo Hailey Baldwin Bieber têm em comum? Todas consomem CBD. Em Portugal ainda não descobrimos famosas a dar a cara mas a produção e a comercialização de produtos medicinais está a aumentar.

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Plantas de cannabis produzidas na fábrica de Cantanhede Reuters/Rafael Marchante

Em Janeiro de 2018, eu estava em Maui, no Havai, e (acredito) devido à elevada humidade fiquei com uma dor ciática que me apanhou toda a perna esquerda. Numa ilha no meio do Pacífico, atravessado meio mundo para um longo workshop de ioga e estava impedida de o fazer – e praticamente sem me conseguir mexer. Uma pessoa de confiança deu-me um frasco conta-gotas, com um líquido que parecia um xarope meio salgado, e a indicação de tomar de manhã e à noite, e ainda aplicar localmente no local da dor. Regra geral, sou resistente a tomar medicamentos, e ‘drogas’ muito mais. Mas, asseguraram-me que da cannabis aquele líquido tinha apenas o óleo de efeito relaxante, que ajudava a parte muscular. E não o psicotrópico que dá a sensação de alteração dos sentidos. Um pouco céptica, obedeci. Passados uns dias, estava recuperada e a fazer todas as posturas avançadas de ioga, como se nada se tivesse passado. Não tivesse sido esta necessidade de rentabilizar ao máximo os dias que ali estava para estudar e aprender, e talvez nunca tivesse testado CBD (abreviatura para canabidiol, um dos muitos compostos encontrados na cannabis).

A cannabis para uso medicinal não é uma moda recente. A apresentadora Chelsea Handler, a cozinheira Martha Stewart e a modelo Hailey Baldwin Bieber têm em comum? Todas consomem CBD. Em Portugal ainda não descobrimos famosas a dar a cara mas a produção e a comercialização de produtos medicinais está a aumentar.​ A Tilray é uma empresa multinacional farmacêutica, de origem canadiana, com centro de produção em Cantanhede, que se define como “pioneira global na produção, investigação e desenvolvimento de preparações e substâncias à base da planta da canábis para fins medicinais”. Rita Barata, responsável de Marketing para a Europa, situa a utilização da planta da cannabis para fins terapêuticos “em registos históricos que datam de há mais de 6000 anos, na região hoje ocupada pela China. Desde então, a sua utilização foi difundida a nível global, sendo que no início do século XX já surgia nas principais farmacopeias mundiais. A classificação da cannabis pela ONU em 1961, enquanto substância sem valor terapêutico teve grandes repercussões na pesquisa e desenvolvimento da ciência associada aos canabinóides”. Em Dezembro, uma nova decisão da ONU veio rectificar a classificação da cannabis, reclassificando-a como substância com valor terapêutico.

No dia 1 de Fevereiro de 2021, a Tilray confirma que recebeu autorização para “disponibilizar aos doentes portugueses a primeira substância à base da planta da cannabis para fins medicinais, em conformidade com a legislação portuguesa”. A autorização de colocação no mercado foi emitida pela Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde – Infarmed. “Esta é a primeira e única preparação ou substância à base da planta da cannabis para fins medicinais permitida no nosso país, e confirmamos que estamos a planear num futuro próximo tornar outros produtos acessíveis aos doentes, em Portugal. As exigências dos doentes estão a aumentar e a nossa missão é disponibilizar os produtos mais seguros e de melhor qualidade que satisfaçam ao máximo as suas necessidades “, anuncia directora-geral da empresa.

Na deliberação 11/CD/2019, o Infarmed havia já aprovado uma lista das indicações terapêuticas consideradas apropriadas para as preparações e substâncias à base de cannabis para fins medicinais: espasticidade associada à esclerose múltipla ou lesões da espinal medula; náuseas, vómitos (resultante da quimioterapia, radioterapia e terapia combinada de HIV e medicação para hepatite C); epilepsia e tratamento de transtornos convulsivos graves na infância; estimulação do apetite nos cuidados paliativos de doentes sujeitos a tratamentos oncológicos ou com SIDA; dor crónica; síndrome de Gilles de la Tourette; e glaucoma resistente à terapêutica.

Com a decisão do Infarmed, a Tilray vai passar a disponibilizar uma preparação à base da planta da cannabis que já estava autorizada noutros países, como a Alemanha. Na unidade de Cantanhede, que serve de centro de apoio à investigação clínica, desenvolvimento de produtos e distribuição, é produzida não apenas a substância activa, mas também o produto final. A gama de produtos que aqui se produzem vai desde a flor seca a soluções orais com diferentes concentrações de THC e CBD.

CBD, THC, de que falamos afinal?

Há várias estirpes de cannabis sativa L. e é a planta que vai definir que canabinóides estão presentes no óleo extraído e em que percentagem. Os canabinóides mais comuns são THC (tetrahydrocannabinol, a substância psicotrópica) e CBD (cannabidiol, modelador que relaxa). A planta com mais baixa ou quase inexistente concentração de THC é o cânhamo. Para fins terapêuticos as plantas usadas têm concentrações mais altas de THC e de CBD, e o uso destes combinados pode ter efeitos potenciados. Os mais procurados são a redução da inflamação e da ansiedade, diminuição de processos de dor crónica, regulação do sono, entre outros.

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Sérgio Azenha/Arquivo

Existem duas principais vias de administração de preparações e substâncias à base de cannabis para fins medicinais: a via inalatória e a via oral. De acordo com o perfil e necessidades terapêuticas do doente, os profissionais de saúde deverão determinar qual a via de administração mais adequada. Segundo a Tilray, as terapêuticas canabinóides podem ser apresentadas sob a forma de flor seca inteira ou em forma de solução oral (cujo veículo é um óleo). “Geralmente, a flor seca inteira é maioritariamente utilizada no tratamento de situações médicas em que os pacientes necessitam de um alívio rápido dos sintomas ou quando a via oral não está disponível ou não é preferível. As soluções orais são geralmente prescritas para o alívio de sintomas crónicos, sendo o seu início de acção mais lento, mas o seu tempo de acção mais prolongado.”

E como saber qual a melhor forma de administração e dosagem? Os médicos, tendo por base a história clínica do doente bem como o seu diagnóstico, tomarão a decisão sobre qual a dosagem mais indicada para cada um dos pacientes individualmente. responde Rita Barata. E se nos causa alguma estranheza escrever ‘cannabis’ e ‘médico’ na mesma frase, a verdade é que em Portugal esta área está em franco crescimento. Nos últimos anos existiram congressos médicos e farmacêuticos sobre a utilização da canábis para fins terapêuticos, a Cannativa é uma associação portuguesa de estudos sobre cannabis e existe ainda o Observatório Português de Canábis Medicinal

Apesar da minha boa experiência no Havai, Rita Barata recomenda algum cuidado na utilização de fórmulas não controladas: “A utilização de qualquer produto à base de cannabis medicinal em contextos não previstos na legislação e sem controlo por parte das autoridades de saúde e económicas deve ser evitado, dado que o controlo de qualidades dos mesmos não está garantido.” 

CBD na beleza

A utilização do cânhamo e do CBD também já chegou ao mundo da beleza. As marcas apontam os efeitos calmantes e nutritivos. A utilização de CBD na cosmética também é regulada pelo Infarmed, mas o processo é mais simples porque existe o Cosmetic Product Notification Portal (CNPN) que lança a listagem de substâncias que podem ser utilizadas e em que concentração.

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Christin Hume/Unsplash

Assim, são já diversas as marcas que estão a propor produtos que se destinam a peles cansadas ou com problemas como acne. Por exemplo, a sueca Foreo lançou uma máscara, (um pack de seis custa 19,99€) com óleo de sementes de cannabis sativa Le propriedades calmantes e regeneradoras, a Cannabis Seed Oil Mask  que deve ser usada com um dos dispositivos da marca, o UFO (178€) que  combina o aquecimento (preparação da pele), as pulsações T-Sonic (melhora a absorção dos ingredientes da máscara) e a terapia de luz LED (luminosidade, antienvelhecimento, etc.). À venda em perfumarias como a Douglas ou a Sephora.

A germânica Essence, que está à venda nas farmácias e parafarmácias, assim como At Cosmetics e lojas Well’s (da Sonae, do mesmo grupo que o PÚBLICO), tem uma gama de produtos simultaneamente de maquilhagem e de cuidado de rosto, de edição limitada, a High Beauty Trend Edition, com óleo de cânhamo com produtos que vão da base à máscara, passando pelo matificador e baton. Os preços variam entre os 2,99€ e os 4,99€. Já a norte-americana Kiehl’s, à venda em perfumariam, grandes armazéns e com loja própria no Príncipe Real, em Lisboa, propõe a Gama Cannabis Sativa Seed Oil, para todos os tipos de pele, composta por óleo de rosto apaziguante (48€) e o gel de limpeza de rosto purificante (14€).

Na Body Shop, a linha CDB é indicada para peles que apresentam sinais de stress e é composta por Soothing Oil-Balm Cleansing Mask (20€), Restauração Óleo Facial (28€) e Creme Hidratante (23€). Por seu lado, a Smart Nature é a representante em Portugal da marca Canzon, cosméticos com CBD, com propostas como creme de mãos, faciais anti-idade e séruns (os preços variam entre 12,50€ e 27€).

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