Kirill Serebrennikov, o artista incómodo, foi afastado do Centro Gogol

Director artístico do teatro, actualmente a cumprir uma pena suspensa, viu as autoridades da capital russa negarem-lhe a renovação do contrato.

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Kirill Serebrennikov MAXIM SHIPENKOV/EPA/LUSA

O encenador e cineasta russo Kirill Serebrennikov vai deixar de estar à frente do Centro Cultural Gogol a partir do dia 25 de Fevereiro, data em que expirará o seu contrato como director artístico desta marcante instituição cultural de Moscovo.

A notícia foi avançada esta terça-feira pelo próprio Serebrennikov, que, numa publicação no Instagram, anuncia a sua saída, divulgando a carta em que os responsáveis pelo departamento de cultura da Câmara da capital russa o informam da não-renovação do contrato. Mas “o Centro Gogol, como teatro e como ideia, vai continuar a viver”, acrescenta o ainda director, defendendo que “o teatro e a liberdade são mais importantes e, portanto, mais duradouros do que qualquer espécie de burocratas”.

Este “despedimento” de Kirill Serebrennikov da direcção daquele que é reconhecidamente um dos mais importantes centros de criação artística contemporânea na Rússia não constitui surpresa, face à história mais recente da relação das autoridades e do poder político na Rússia de Vladimir Putin com o encenador.

Serebrennikov, de 51 anos, encontra-se actualmente a cumprir uma pena suspensa de três anos de prisão na sequência da condenação, em Junho do ano passado, por um tribunal de Moscovo, que o considerou culpado de fraude e desvio de fundos públicos entre 2011 e 2014.

No decorrer do julgamento, Serebrennikov — que esteve sujeito a prisão domiciliária entre 2017 e 2019 — contestou a acusação e a sentença, prometendo continuar “a lutar pela verdade”. O seu processo foi acompanhado por um vasto movimento de solidariedade para com o director artístico, tanto a partir da Rússia como de vários países ocidentais.

Além de três anos de prisão com pena suspensa, a condenação inclui a proibição de mudança de residência e de saída do país, o impedimento de dirigir qualquer instituição cultural russa durante esse período, e ainda o pagamento de uma multa de 800 mil rublos (mais de dez mil euros).

Novas mensagens de solidariedade

Na sua mensagem desta terça-feira, Serebrennikov insta os seus amigos e defensores a “não desanimarem”. “Não há vida nem liberdade no desânimo”, escreveu. E este novo caso no seu processo motivou várias reacções críticas ao poder de Vladimir Putin, além de novas mensagens de solidariedade para com o encenador.

“O que está a acontecer hoje na Rússia como país, e na sua vida cultural, é um quadro muito triste, com a diminuição da liberdade e o aumento da violência por parte das autoridades”, reagiu a romancista russa Liudmila Ulítskaia, num email citado pelo The New York Times. A escritora, que normalmente surge na lista de favoritos ao Nobel da Literatura, endereçou a sua “homenagem e respeito” a Kirill Serebrennikov, considerando-o “um verdadeiro representante da cultura russa”.

Outra reacção citada pelo diário nova-iorquino foi a do director artístico do teatro berlinense Schaubühne, Thomas Ostermeier, que considerou a dispensa de Serebrennikov do Centro Gogol “uma mensagem clara de que [na Rússia] a liberdade artística está a ser reduzida a zero”.

Caso Navalny

O presente episódio com o director do Centro Gogol surge no momento em que a Rússia está sob o olhar e o escrutínio do mundo democrático, nomeadamente face à prisão e condenação, há uma semana, de Alexei Navalny, o opositor político de Putin, na sequência do seu regresso à Rússia em meados de Janeiro após a convalescença de cinco meses na Alemanha, onde foi tratado de um envenenamento atribuído ao Kremlin — e que as autoridades russas desmentiram.

Essa condenação motivou também volumosos protestos no país, entre os quais os de outras figuras proeminentes da cena artística local, como as integrantes da banda Pussy Riot ou o rapper Oxxymiron.

Durante a sua carreira, Kirill Serebrennikov foi por diversas vezes alvo de censura, e confrontou-se com reacções adversas às suas criações cénicas e à programação que promoveu no Centro Gogol, e que abordavam de forma livre e crítica temas como a política, a religião e a sexualidade.

Resta agora saber o que é que o cineasta e encenador — que, mesmo em residência fixa no seu país, continuou a trabalhar para companhias de ópera ocidentais, nomeadamente de Zurique (Suíça) e Hamburgo (Alemanha) — irá fazer a seguir. Na sua mensagem no Instagram, Serebrennikov exorta os seus colaboradores do Centro Gogol e os seus fãs: “Tentem garantir que o teatro continua vivo. Vocês sabem o que é que é preciso fazer.”

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