Caso Kirill Serebrennikov: encenador russo fica em prisão domiciliária

Detido por alegado desvio de dinheiros públicos, o encenador vai aguardar o julgamento, marcado para 19 de Outubro, em regime de prisão domiciliária. Em frente ao tribunal, muitos se manifestaram contra a decisão do tribunal, em que vêem uma manobra para silenciar um assumido opositor de Putin.

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Serebrennikov soube esta manhã que vai ter de aguardar o julgamento em prisão domiciliária TATYANA MAKEYEVA/REUTERS
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Na audiência desta manhã em Moscovo, o juiz recusou a libertação sob fiança do encenador e cineasta russo TATYANA MAKEYEVA/REUTERS
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Vários artistas manifestaram-se à porta do tribunal contra aquilo que acreditam ser uma tentativa de silenciamento de Serebrennikov TATYANA MAKEYEVA/REUTERS
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Vários artistas manifestaram-se à porta do tribunal contra aquilo que acreditam ser uma tentativa de silenciamento de Serebrennikov SERGEI ILNITSKY/EPA
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Kirill Serebrennikov, um dos encenadores e cineastas russos mais proeminentes e premiados da actualidade, vai ficar em regime de prisão domiciliária até ao julgamento do caso de desvio de dinheiros públicos de que é acusado, e que está marcado para 19 de Outubro. Confrontado esta quarta-feira com a decisão do tribunal, o advogado de Serebrennikov já garantiu que vai recorrer. O caso Serebrennikov, assim intitulado pela imprensa russa, está a ser visto pela comunidade artística como um golpe do Kremlin para silenciar o encenador, conhecido pelas suas encenações iconoclastas que esbarram no conservadorismo do regime de Vladimir Putin. Em frente ao tribunal de Moscovo onde foi promulgada a decisão, vários artistas manifestaram o seu descontentamento. 

“O que as autoridades estão a fazer com ele é uma desgraça (…). Um dos grandes encenadores da contemporaneidade a ser tratado como um terrorista”, comentou o encenador Pavel Kaplevich, citado pela agência Reuters, após ser anunciada a decisão.

No centro da investigação está um financiamento de 68 milhões de rublos (cerca de um milhão de euros) concedido pelo Estado entre 2011 e 2014 a um projecto da companhia de teatro Studio Seven, que Serebrennikov dirigia já antes de se tornar, em 2012, um dos 12 directores do Gogol Center. Os dinheiros públicos que, segundo a investigação, Serebrennikov terá desviado destinavam-se à produção de espectáculos do Studio Seven no âmbito de um programa de acolhimento de novas companhias pelo Gogol Center.

Durante o julgamento, Serebrennikov reiterou que está inocente, descrevendo as acusações como “incrivelmente absurdas e impossíveis”, segundo o jornal The Moscow Times. Ainda no decurso do julgamento, o encenador terá pedido ao juiz para não lhe aplicar o regime de prisão domiciliária, de modo a poder prosseguir os seus projectos profissionais, incluindo a longa-metragem que estava a rodar em São Petersburgo, onde foi detido.

Serebrennikov estará proibido de comunicar com o exterior, e consequentemente de trabalhar, até à data do julgamento.

"Um golpe colossal"

Antes da audiência desta quarta-feira ainda havia esperança na libertação de Kirill Serebrennikov sob fiança, intenção rejeitada pelo juiz apesar de várias personalidades proeminentes da comunidade artística russa terem testemunhado em defesa do encenador. Entre elas estavam o actor Andrei Smirnov e a crítica literária Irina Prokhovora, que se havia disponibilizado para pagar a fiança.

Várias figuras do meio têm levantado publicamente a possibilidade de a alegada fraude ser um álibi do regime para silenciar Serebrennikov, dadas as suas críticas à conservadora moral oficial e à crescente influência da Igreja Ortodoxa Russa no país.

“Esta é uma peça em dois actos que acontece na Rússia há muito tempo. O primeiro acto é aquele em que todos são culpados. Na Rússia, qualquer pessoa que receba financiamento estatal está encurralada, porque é impossível cumprir com todos os regulamentos e, consequentemente está preso por vários ganchos. O segundo acto é quando qualquer um desses ganchos é puxado para exigir subornos ou para fazer declarações políticas”, comentou o escritor e crítico literário Sergei Parkhomenko ao The Moscow Times. Já o escritor Boris Akunin veio lembrar que a detenção de Serebrennikov não pode se não ter sido decidida pelas mais altas instâncias políticas: "Detenções de figuras deste calibre, que provocam furor a nível internacional, só podem ocorrer com a permissão, ou mesmo por ordem directa, do Grande Chefe (...). Chamemos as coisas pelos nomes (...): o encenador Serebrennikov não foi detido pelo Comité de Investigação. Foi detido por Putin."

O apoio do conselheiro do Kremlin, Vladislav Surkov, a Serebrennikov suporta a teoria de que a prisão do director também faz parte de uma luta interna do poder, avança o The Moscow Times.

O escritor russo Viktor Shenderovich comparou o caso Serebrennikov ao de Mikhaïl Khodorkovski, ex-CEO da Yukos, uma das maiores empresas do sector da extracção, refinação e distribuição de petróleo na Rússia, que era o homem mais rico do país até ser preso em 2003, um caso que à época também foi visto como um golpe para silenciar o empresário. “Isto envia uma mensagem semelhante”, disse Shenderovich ao canal de televisão russo Dozhd. “É um sinal claro antes das eleições [para a presidência que se realizarão no próximo ano]: o reconhecimento mundial ou a elite a que pertence não irão salvar ninguém dos interesses de um estado repressivo se este decidir que é de sua conveniência abatê-lo”, concluiu o jornalista em declarações à estação.  

Mas a escritora Irina Prokhorova, que testemunhou na audiência desta manhã em favor do encenador, acredita que a decisão afecta gravemente a reputação da Rússia. “É um golpe colossal”, afirmou a defensora da inocência de Serebrennikov.

O cerco a Serebrennikov começou em Maio, quando o encenador foi detido para interrogatório, mas apenas na qualidade de testemunha. Num post publicado em Junho na sua página de Facebook, apelou aos espectadores da companhia que o ajudassem a provar que o financiamento atribuído havia efectivamente sido gasto em produções: “É particularmente importante relembrar a produção Sonho de uma Noite de Verão que realizámos (...) mais de 15 vezes (…). E que foi nomeada para todo o tipo de prémios teatrais (…). Agora o agentes do SK [Comité de Investigação] dizem-nos que não existe e nunca existiu."

Caso seja considerado culpado, Kirill Serebrennikov arrisca uma pena de dez anos de prisão.

Texto editado por Inês Nadais

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