Sente-se cansado a meio do dia? Uma curta sesta pode ajudar – mas há consequências

As crianças que fazem sesta expressam mais alegria; já os adultos tendem a tolerar a frustração por mais tempo e se sentir-se menos impulsivos. As sestas podem ajudar os idosos a protegerem-se do declínio cognitivo e da demência.

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Unsplash/Adrian Swancar

São muitos os hábitos que vamos adquirindo à medida que passamos mais tempo em casa, agora em teletrabalho: petiscar quando nos apetece, levarmos o cão à rua a meio da manhã, falarmos sozinhos ou fazermos uma sesta diária. Será especialmente doloroso desistir dete último hábito quando regressarmos ao escritório, mas o que sabemos sobre esta pausa? Por que nos parece que são revitalizantes? É possível viver sem ela? Ouvimos alguns especialistas sobre a sesta.

A vontade de fazer uma sesta

Existem dois processos biológicos que contribuem para a sonolência diária, começa por explicar Sara Mednick, professora de ciências cognitivas na Universidade da Califórnia e autora do livro Take a Nap! Change Your Life (Faça uma sesta! Mude a sua vida não está traduzido em português). O primeiro sistema é o circadiano, que avisa que devemos estar acordados de dia e dormir à noite. A meio do dia, o cortisol, uma hormona da família dos esteróides, começa a diminuir desde seu pico matinal e a temperatura corporal central a cair ligeiramente, ou seja, o corpo perde calor o que leva a que a pessoa sinta que vai adormecer. O segundo processo prende-se com a regulação homeostática: quanto mais tempo a pessoa permanecer acordada, mais sonolenta se sente. Conforme o dia avança, aumenta continuamente a “pressão do sono”, fazendo com que sinta uma necessidade crescente de dormir. Estes dois processos, juntos, a meio do dia, criam “uma espécie de tempestade perfeita que cansa as pessoas”, aponta Mednick.

No entanto, nem todas as pessoas são igualmente afetadas por estes processos. Logo, nem todas cedem à tentação da sesta. Uma sondagem de 2009 do Pew Research Center revelou que, num dia típico, um terço dos adultos dos EUA faz uma sesta.

A sesta é “um reflexo de que a pessoa não dormiu o suficiente à noite, é uma resposta às necessidades de sono do seu corpo”, define Lawrence Epstein, ex-presidente da Academia Americana de Medicina do Sono e director clínico de medicina do sono no Hospital de Boston. Se não dormir o problema não se resolve porque tal “afecta o desempenho, a concentração e o humor”, acrescenta. Também “afecta os processos fisiológicos envolvidos na manutenção da boa saúde”, diz ainda, estabelecendo uma relação entre a falta de sono e a obesidade, hipertensão e doenças cardíacas.

Prós e contras das sestas

Para muitas pessoas que não dormem, uma curta sessão de sono é o suficiente, diz Mednick. “O humor melhora, bem como a criatividade, a compreensão e a memória.”

Os benefícios da sesta são reconhecidos estudo após estudo. Mednick descobriu que as pessoas têm desempenhos tão bons depois de uma sesta como depois de uma noite de sono. Constatou também que as sesta aumentam a resolução criativa de problemas; podem ainda aumentar e recuperar a capacidade do cérebro. Por exemplo, as crianças que fazem sesta expressam mais alegria; já os adultos tendem a tolerar a frustração por mais tempo e se sentir-se menos impulsivos. As sestas podem ajudar os idosos a protegerem-se do declínio cognitivo e da demência. Os atletas podem usar a sesta para melhorar a sua resistência. Pessoas que têm esta prática uma a duas vezes por semana têm um risco menor de ter doenças cardiovasculares. A memória melhora depois de uma sesta. E por aí adiante.

No entanto, há pessoas que não toleram fazer uma sesta porque ficam mal-dispostas ao acordar. Isso pode acontecer porque a pessoa entra no sono profundo, tornando-se mais difícil despertar. As sestas também podem atrapalhar o sono nocturno. “As sestas tendem a ser uma espécie de faca de dois gumes”, define Epstein. “Se a pessoa dorme durante o dia, vai dormir menos à noite.”

A sonolência diurna também pode ser um sintoma de uma doença subjacente ou distúrbio do sono. Se a pessoa costuma ter quebras durante o dia ou sentir-se sonolento, deve tentar dormir mais horas durante a noite. Se isso não ajudar, então, o melhor é falar com o seu médico de família ou um especialista de sono, refere Epstein.

O efeito da pandemia no sono

Epstein descobriu que os hábitos de sono por causa da pandemia mudaram em duas direcções — para melhor e para pior — e isso afectou as sestas. Os hábitos de sono de muitas pessoas mudaram, porque passaram a sofrer de insónias, por exemplo. O stress, pesadelos, uma doença, a necessidade de ficar acordado para terminar um trabalho ou de acordar a meio da noite por causa de um filho que chora, são outros factores que pode mlevar a que, durante o dia, a pessoa sinta necessidade de dormir uma sesta. Contudo, também há outras pessoas que, por não terem de acordar mais cedo para apanhar transportes para ir para o trabalho ou para ir pôr os filhos à escola, acabam por dormir mais e sentir-se mais descansados, logo, não precisarão de fazer uma sesta.

Mednick conta que falou com muitas pessoas que começaram a fazer uma sesta durante o dia. “Definitivamente, há muitas pessoas que estão em casa e pensam: ‘Ah, finalmente. Posso fazer exercício físico quando quiser, posso tirar uma sesta quando quiser, posso vestir o que quiser ‘”, enumera a especialista. “Existem muitas opções de autocuidado que as pessoas passaram a ter, de repente.”

Julia Hobsbawm, uma empreendedora e autora britânica que se concentra na saúde social, não se surpreende com o facto de que os que estão em teletrabalho passem a fazer uma sesta. “As nossas vidas, mesmo fechados, tendem a ser cheias de coisas para fazer e uma distracção digital sem fim”, refere a autora The Simplicity Principle, por e-mail. “O nosso cérebro começa a comportar-se como um computador ligado durante dias a fio: desgasta-se mais rapidamente”, alerta. Uma vez que cada vez mais pessoas trabalham em casa e gerem os seus dias por conta própria, Hobsbawm recomenda: “Considero que é muito positivo as pessoas passarem a fazer uma sesta.”

Como fazer uma sesta de maneira eficaz

Mednick sugere marcar um alarme para dormir cerca de 20 minutos, que é o tempo suficiente para entrar no estágio 2 do sono, mas não dormir profundamente. Trata-se de um período de sono leve, em que o batimento cardíaco e a respiração ficam mais lentas, e os músculos relaxam. Um estudo da NASA revelou que as sestas ajudavam os pilotos a ficarem mais alerta — bastavam dez a 20 minutos. É o tempo suficiente para recuperar sem deixar a pessoa rabugenta ou prejudicar a hora a que se vai deitar, à noite.

Sinta-se a vontade. Deite-se, se possível. Um estudo concluiu que descansar numa cama traz mais benefícios do que fazê-lo numa cadeira. Pode usar uma máscara para os olhos e protectores de ouvido, se necessário. Tente deixar de lado as suas preocupações — uns minutos de meditação podem ajudar, respire lenta e profundamente, concentre-se em relaxar os músculos.

Depois da sesta, se precisar de ajuda para voltar a ficar desperto, pode molhar o rosto com água, deixar a luz entrar no quarto (ou na sala, se dormir no sofá) e pode ainda optar por uma bebida com cafeína. Neste último caso não deixe para muito tarde esse café, de maneira a não afectar a sua noite de sono.

Se adormeceu enquanto trabalhava em casa e está preocupado por não conseguir manter esse hábito quando regressar ao escritório, “este é um óptimo momento para descobrir quanto tempo precisa para se sentir totalmente descansado”, diz Epstein. As recomendações actuais são de sete a nove horas por noite para os adultos saudáveis.

E quando regressar ao escritório?

Um ambiente de trabalho não deve impedi-lo de fazer uma sesta, se quiser. Mednick lembra que “as pessoas ainda podem encontrar maneiras de tirar uma sesta porque sempre conseguiram fazê-lo”, por exemplo, ir para o carro, reservar uma sala de conferências vazia ou apoiar a cabeça com a mão, como quem parece que está a reflectir.

Outra opção é incentivar o seu empregador a criar um espaço para dormir. “Na verdade, é do interesse das administrações das empresas em encontrar maneiras de criar uma força de trabalho que esteja mais descansada”, diz Epstein, acrescentando que os problemas de sono aumentam as taxas de absentísmo, de acidentes de trabalho e diminuem a produtividade.

Hobsbawm concorda que a mentalidade das empresas devia mudar. “A ideia de que podemos trabalhar como autómatos, sempre ligados e permanentemente conectados aos nossos dispositivos é tão inútil quanto desactualizada”, diz. “Toda a gente precisa de um momento, várias vezes ao dia, para redefinir os seus pensamentos. Se puder fazer uma sesta, óptimo, mas se não puder, o principal é parar de fazer o que estava a fazer.” As alternativas podem ser fazer uma actividade física, como uma caminhada, ou uma actividade artística, como colorir. “Pode ser curto, mas tem óptimos benefícios.”

Mednick espera que as empresas permitam que os funcionários continuem a trabalhar e a fazer sestas em casa após a pandemia. “A sesta não é um hábito das pessoas preguiçosas”, aponta. “É o que as pessoas realmente eficazes, criativas e conscienciosas fazem. Esse é o tipo de pessoa que faz as sestas”, conclui.

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