O ódio e quem lhe abre a porta

Hoje sabemos que as palavras têm consequências, atacam a democracia e matam – já não o podem negar. Nem o ódio é domesticável nem a extrema direita é normalizável. Seja nos EUA, no Brasil ou em Portugal.

O assalto ao Capitólio é o epílogo grotesco do mandato do pior Presidente de sempre dos Estados Unidos da América. Trump é o responsável por incitar um grupo de manifestantes a desferir um golpe na democracia, tentando suspender a sessão do Senado que confirmaria a derrota que teve nas urnas.

O assalto que assistimos não foi a um edifício, foi ao coração da Democracia. É na aceitação de uma derrota eleitoral que se medem os democratas, mas Trump nunca respeitou a Democracia e sempre disse ao que vinha. As acusações de fraude eleitoral não são novas: na eleição anterior também houve uma caça às bruxas, onde procurava mostrar que não tinha perdido o voto popular para Hillary Clinton.

No passado como agora, as acusações de fraude não passam no crivo da realidade, servem apenas para acicatar os ânimos e polarizar a sociedade. A diferença, que não é pequena, é que o poder de Trump cresceu nos quatro anos de mandato e o Partido Republicano ficou refém dos desmandos do Presidente.

Agora chegou a fatura final da normalização da extrema direita. Quem não quis ver o que Trump era, que imaginava um cordeiro onde nunca deixou de haver um lobo, também tem culpas pelas quais deve responder. A escolha do poder a qualquer preço bateu de frente com os princípios democráticos mais basilares.

Será que a invasão do Capitólio, algo que não acontecia desde a invasão das tropas britânicas em 1814, fará mexer o que resta do Partido Republicano e levar à declaração de incapacidade de Trump? Ou o medo do monstro paralisou completamente os republicanos? A onda de demissões na Casa Branca significa o abandonar do navio, não o desassombro para enfrentar Trump. Seria inédito o uso da 25.ª Emenda da Constituição dos Estados Unidos para declarar um Presidente incapaz e passar as funções para o seu vice, mas vivemos tempos que exigem essa coragem: depois do que aconteceu ontem, ninguém sabe que mais Trump inventará até dia 20 de janeiro, em que Biden tomará posse.

Os aprendizes de Trump assistiram às imagens do assalto fiéis ao mestre. Será Trump 2021 a antecipação de Bolsonaro 2022? A mentira de Trump ainda ecoa na boca de Bolsonaro, garantindo verdadeiras as aldrabices da fraude eleitoral e prometendo contestação também para o Brasil: “Nós vamos ter um problema pior que os Estados Unidos.” Não se devem ignorar estes avisos, se há coisa que já devíamos saber é que a extrema direita não pode ser desvalorizada.

André Ventura ainda não disse nada sobre Trump e o assalto ao Capitólio. Nestas coisas, o silêncio é cumplicidade e tem significado político. Ventura é admirador confesso de Trump, copia gestos e retórica, mas também tem o mesmo desprezo pela democracia. Isso vê-se pela lei da rolha no partido ou a lama dos debates em que participa, mas principalmente pela intolerância que sempre demonstrou e o orgulho com que a exibe.

Hoje sabemos que as palavras têm consequências, atacam a democracia e matam – já não o podem negar. Nem o ódio é domesticável nem a extrema direita é normalizável. Seja nos EUA, no Brasil ou em Portugal. Quem aposta o seu futuro político nessa impossibilidade deve dizer que conclusões tira do assalto ao Capitólio, não é Dr. Rui Rio? Que estranho silêncio o seu no momento em que os democratas são chamados a condenar o golpismo. Aguardamos ansiosamente.

E nas imagens que nos chegaram do Capitólio, que julgávamos impossíveis até ao momento em que nos interpelam, percebemos como a mentira pode instrumentalizar as pessoas, dividir sociedades. Entendemos como as mensagens de ódio e intolerância dão força ao racismo, à xenofobia ou à homofobia. E compreendemos que o medo se instala porque a qualquer momento essas palavras podem passar a ações.

Todas e todos somos interpelados nestes dias e a resposta só pode ser uma: não passarão.

P.S.: As redes sociais que deram força a Trump correm para escapar à fotografia, mas não esquecemos como lhe serviram. Não aceitaremos trocar um capataz da democracia por outro, é o povo quem mais ordena.

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