Eleições americanas: a possibilidade do impossível

Está a UE preparada para o abalo político-económico causado por um eventual golpe antidemocrático nos EUA, a partir da madrugada de 4 de Novembro? Perante a evidência da ameaça totalitária na América, não será já ensurdecedor o silêncio da UE e do nosso Governo?

Neste nosso século XXI assistiu-se a um acontecimento político nunca antes visto: o vencedor de umas eleições contestou o resultado que lhe era favorável, afirmando ser uma falsificação. A não-aceitação de um resultado desfavorável é coisa infelizmente comum em algumas latitudes. Mas a rejeição de um resultado favorável é atitude tão estapafúrdia quanto única.

Em que recôndita pátria ocorreu esse pasmoso gesto de recusa? Quem o protagonizou? Desiludam-se os que supõe tratar-se de acontecimento ocorrido numa república das bananas lá para os lados do cu do mundo. Nada disso. O acontecimento deu-se há apenas quatro anos no seio do país mais influente do planeta e o protagonista era o mesmo Donald que agora se recandidata à Casa Branca.

Nunca foi dada a devida atenção à singular anomalia; porém, esse esdrúxulo acontecimento político era portador de relevantíssima indicação: um sujeito que não aceita um resultado eleitoral favorável jamais aceitará um resultado desfavorável.

Quer isto dizer que todos devíamos saber desde 2016 que Donald Trump em caso algum aceitará a vitória de Biden, seja ela tangencial ou esmagadora. Isto resulta do facto de estarmos perante um inimigo da democracia que é simultaneamente um deficiente moral e um narcisista patológico.

Sei correr o risco de parecer um louco que veio a este espaço público gozar com os leitores. Mas o caso é mais grave.

A transferência de poder sem intervenção do argumento da espada é uma conquista civilizacional. Porém, por incrível que pareça, nos EUA um candidato derrotado no voto popular e que também não obtenha a maioria no colégio eleitoral (270 lugares) pode legalmente não aceitar a derrota! Não há nada na Constituição nem em qualquer lei do país que o obrigue a aceitar o resultado das eleições. Apenas há a tradição civilizada do concession speech, do discurso de reconhecimento da derrota, sendo a transferência pacífica de poder formalizada cem dias depois das eleições.

Subitamente, alguns americanos assumem a consciência da possibilidade do que julgavam impossível: a anulação das eleições através de um golpe legal antidemocrático perpetrado a partir da Casa Branca por um sujeito disposto a fazer tudo o que sirva os seus interesses e concorra para o seu poder pessoal, ambicionando ser um Putin made in USA.

Que pode acontecer? Num primeiro momento tudo dependerá da atitude de um partido em ruínas: o Partido Republicano. Ou este opta por defender a democracia, retirando o apoio a Trump e honrando as eleições, ou colabora no golpe. Se escolher este rumo, a sobrevivência da democracia na América passa a depender da mobilização popular na rua e das forças armadas. Ninguém já pode duvidar que Trump não hesitará em convocar as milícias armadas de extrema-direita que lhe são fiéis e são legais! Tudo isto durante uma pandemia descontrolada!

E deste lado do Atlântico? Está a UE preparada para o abalo político-económico causado por um eventual golpe antidemocrático nos EUA, a partir da madrugada de 4 de Novembro? Perante a evidência da ameaça totalitária na América, não será já ensurdecedor o silêncio da UE e do nosso Governo?

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