5G: litigância das empresas “resume-se a atitude anticoncorrencial”

O presidente da Anacom, João Cadete de Matos, diz que Nos, Meo e Vodafone não querem concorrentes e que o leilão do 5G pode dar resposta a problema de aumento de preços dos serviços das telecomunicações e descida do investimento do sector.

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O presidente da Anacom, Cadete de Matos, espera que o leilão 5G traga mais "dinâmica concorrencial" ao sector das comunicações LUSA/Manuel Almeida

O presidente da Anacom, João Cadete de Matos, reafirmou nesta terça-feira que o regulamento do leilão do 5G está ancorado numa “sólida base legal” e que “a única preocupação” das “três empresas” que compõem “o oligopólio” do sector das telecomunicações é a entrada de novos concorrentes no mercado.

“Esse é o tema de toda a litigância”, disse o presidente da Anacom numa participação por via remota na Comissão Parlamentar de Economia, Inovação, Obras Públicas e Habitação, onde os representantes das várias bancadas parlamentares manifestaram preocupação e desagrado com o ruído que tem envolvido o processo de leilão do 5G, que está neste momento em curso e que deverá ficar concluído em Janeiro.

A litigância que tem sido anunciada e iniciada pelas empresas “resume-se apenas a uma atitude anticoncorrencial” da Nos, Vodafone e Meo, afirmou o presidente do conselho de administração da Anacom, que ainda na semana passada aprovou uma resolução fundamentada invocando o interesse público para impedir que uma providência cautelar da Nos pudesse travar o processo de admissão de candidaturas ao leilão de atribuição de frequências. “Estamos a fazer tudo para que ele [o leilão] se conclua o mais rapidamente possível”, disse.

Cadete de Matos sublinhou que os operadores móveis “têm quotas de mercado muito semelhantes” que não favorecem a disputa de mercado e que essa é uma questão que o regulamento do leilão procura resolver, com a introdução de medidas de discriminação positiva para novos entrantes, que permitam “aumentar a dinâmica concorrencial do país, em termos de oportunidade de escolha, inovação e preço”.

O presidente da Anacom sublinhou que “foi difícil de entender a decisão” tomada pelas três empresas entre Outubro e Novembro, de terem aumentado o preço dos pacotes 3P, enquanto desciam a velocidade de download destas ofertas (uma constatação que a Anacom fez recentemente, remetendo estas questões para a Autoridade da Concorrência).

“Esta é uma estratégia [das empresas] que, na nossa opinião, só pode ser contrariada com maior concorrência”, afirmou.

Preços e investimento preocupam

Cadete de Matos frisou que Portugal compara desfavoravelmente com outros países europeus em matérias como os preços dos serviços, afirmando que estes subiram 6,5% em Portugal na última década, tendo caído 11% na União Europeia.

O regulador registou também que “houve um decréscimo da taxa de variação média anual” do investimento das empresas. Em resposta à deputada do Bloco de Esquerda Isabel Pires, João Cadete de Matos citou dados da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) para dizer que, na última década, se verificou um decréscimo de 7% ao ano do nível de investimento.

“É algo que nos preocupa”, admitiu, acrescentando que “um mercado com mais concorrência será amigo do investimento e da inovação” e que o regulamento do leilão assegura que “essa realidade poderá ser invertida”. Primeiro porque há “obrigações de investimento para responder a obrigações de cobertura” e depois porque os operadores terão de investir se houver aumento da pressão concorrencial.

“As empresas não podem ficar paradas, têm de ter ofertas mais competitivas, com mais qualidade e que vão ao encontro das necessidades” dos clientes, não as obrigando a pagar mais por serviços que não usem, como o telefone fixo ou 200 canais de televisão, exemplificou. Lembrou ainda que, com a pandemia, “o número de reclamações [de utilizadores dos serviços] aumentaram de forma exponencial”.

As empresas de telecomunicações têm argumentado que as obrigações de permitir o uso das suas redes por eventuais novos concorrentes é como que uma expropriação da propriedade privada. João Cadete de Matos afirmou na audição parlamentar que “a utilização de rede de todos operadores não é gratuita, é paga e negociada” e até pode ser uma forma de as actuais empresas aumentarem a rentabilidade das suas antenas em zonas onde a operação não é tão rentável.

O presidente da Anacom recusou a ideia de que as empresas que aproveitem o leilão para se iniciarem no mercado móvel em Portugal não vão ter de investir. “Qualquer empresa que adquira espectro vai ter de pagar por ele, pagar as taxas anuais de utilização e fazer investimento na rede” de forma progressiva, referiu.

“Para desenvolverem o seu negócio, terão de ter receitas, e a única forma de ter receitas é conquistar clientes”, acrescentou o presidente da Anacom, dizendo que essa “vai ser uma tarefa árdua” porque qualquer novo operador terá de se bater “com três empresas muito fortes, com base de clientes estável há muitos anos” e protegidas por regras de fidelização.

Para conseguirem conquistar clientes, os potenciais novos operadores vão ter de construir “ofertas competitivas, diferenciadas e com qualidade de serviço”. Além disso, terão “uma dificuldade acrescida”, que é o facto de muitos clientes terem contratados, em simultâneo, serviços de Internet fixa e Internet móvel.

Partilha de infra-estrutura

O presidente da Anacom sublinhou ainda que as “obrigações exigentes” impostas à Nos, Meo e Vodafone de cobertura da população com a nova tecnologia – com 75% da população de todas as freguesias cobertas em três anos e 90% em cinco anos – visam resolver o problema das assimetrias regionais e da coesão territorial, e lembrou que, “para dar resposta à franja remanescente” dos 10% da população, a Anacom já propôs ao Governo a criação de um serviço universal de banda larga.

Para responderem a estas metas, as empresas deverão fazer um uso “racional” dos recursos e apostar no “investimento partilhado”, frisou Cadete de Matos, dando como bom exemplo o acordo recente entre a Nos e a Vodafone para a partilha de antenas.

“Custa sempre entender” porque é que o tema da partilha é tão difícil no sector das telecomunicações, afirmou o presidente da Anacom, ilustrando a ideia de partilha com a rede Multibanco ou a tecnologia Via Verde nas auto-estradas.

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