Brasil: um em cada três indígenas yanomami pode ter sido infectado com SARS-CoV-2

Casos de infecção entre os yanomami, “o povo mais vulnerável à pandemia de toda a Amazónia”, aumentaram 250% nos últimos três meses e os números reais podem ser muito superiores. Presença de garimpeiros na região é apontada como a principal causa.

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Criança yanomami examinada por um membro da equipa médica das Forças Armadas brasileiras em Roraima Reuters/ADRIANO MACHADO

O número de infectados por SARS-CoV-2 na Terra Indígena Yanonami, localizada na fronteira entre o Brasil e a Venezuela, aumentou 250% nos últimos três meses e um em cada três habitantes da região pode estar infectado como o novo coronavírus, uma situação agravada pela presença de garimpeiros na maior reserva indígena brasileira.

Estas são algumas das conclusões do relatório “Xawara: rastros da covid-19 na Terra Indígena Yanomami e a omissão do Estado”, publicado na quarta-feira pelo Fórum de Lideranças da Terra Indígena Yanomami e pela Rede Pró-Yanomami e Ye'kwanaum, que denunciam o “total descontrolo” da pandemia na região e apontam o dedo ao Governo brasileiro.

De acordo com o documento, em Agosto existiam 335 casos de coronavírus no território indígena, tendo esse número disparado para 1202 em Outubro, registando-se ainda 23 mortes, incluindo seis bebés com menos de dois anos, desde que o primeiro caso de infecção foi detectado na região em Abril.

Além disso, o SARS-CoV-2 já chegou a 23 das 37 terras indígenas, localizadas entre os estados de Roraima e Amazonas, com uma área equivalente a Portugal, onde vivem mais de 26.700 mil índios em cerca de 360 aldeias.

Os autores do relatório denunciam ainda a inacção do Governo brasileiro no que diz respeito à testagem – em 11 regiões, foram feitos menos de dez testes e em três ainda não foi foi nenhum. No total, foram realizados 1270 testes, o que equivale a menos de 4,7% da população, o que indicia que o “cenário conhecido está longe de ser a realidade do impacto da covid-19 na Terra Indígena Yanonami”.

“Sem uma avaliação efectiva e sistemática, é impossível rastrear a doença e controlar sua expansão nas comunidades. A baixa testagem mascara o real cenário de infecção por covid-19 entre os yanomami e ye’kwana”, lê-se no relatório.

O Supremo Tribunal Federal, em Julho, determinou que o Estado brasileiro deve tomar medidas para combater a covid-19 nas comunidades indígenas de forma a evitar “o extermínio de etnias”.

Na mesma altura, no entanto, o Presidente Jair Bolsonaro vetou uma lei que define os indígenas como “grupo de extrema vulnerabilidade” e que obrigava o Governo a garantir acesso universal a água potável, assim como de materiais de higiene e camas em unidades de cuidados intensivos. O veto acabaria por ser revertido pelo Congresso em Agosto.

Impacto do garimpo

Um estudo do Instituto Socioambiental e da Universidade Federal de Minas Gerais, publicado em Junho, classificou os yanomami como “o povo mais vulnerável à pandemia de toda a Amazónia brasileira”.

O mesmo estudo chama a atenção para o impacto da presença de cerca de 20 mil garimpeiros na Terra Indígena Yanomami, o que poderá levar a que 40% dos indígenas que vivem perto de minas ilegais possam ser infectados pelo SARS-CoV – no limite, 6,5% dos seus membros podem morrer devido à covid-19.

A região é rica em depósitos de ouro e por isso muito cobiçada há várias décadas por garimpeiros, que têm levado várias doenças para as reservas indígenas. Neste momento, além da covid-19, a região enfrenta também um surto de malária.

“Nossa preocupação é que o povo yanomami tem baixa imunidade. Chegam a malária e a pandemia ao mesmo tempo, é muito grave, o povo está sendo afectado. Se não tivesse garimpo, não teria essas doenças”, disse Maurício Ye'kwana, director da Hutukara Associação Yanomami, citado pela BBC.

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