O OE, entre a salvação e a bomba-relógio

Este é o OE mais crítico da história recente do país – pelo que responde ao presente e pela ansiedade que cria para o futuro. Entre a salvação e a bomba-relógio, resta-nos confiar na divina providência.

Procura-se no relatório que sustenta o Orçamento do Estado para 2021 notícias sobre novas fontes de receita e não se encontram.  Em contrapartida, as despesas abundam. O ministro das Finanças, João Leão, fala num “orçamento responsável e progressista” e, se é fácil concordar com o progressismo, em vez de responsabilidade, o melhor mesmo é falar em risco extremo. O Estado vai juntar a uma dívida pública de 267 mil milhões de euros mais 20 mil milhões. Mais mil milhões de investimento, mais 450 milhões num novo apoio social extraordinário, mais 785 milhões para a massa salarial da função pública, mais 550 milhões de impostos para “o bolso dos portugueses” (António Costa dixit), mais 4000 profissionais para a Saúde, mais 3000 para a Educação, e por aí fora. O Orçamento “mais difícil dos últimos anos” parece fácil. Nunca os cordões da bolsa pública se abriram tão generosamente.

O Governo faz o que tem de fazer. Numa economia devastada, o Estado tem o dever de liderar e de suprir as falhas do mercado. Tem o dever de proteger os mais desfavorecidos. Tem de aquecer a procura interna, apoiando rendimentos ou multiplicando gastos públicos. Seguindo as recomendações internacionais, a palavra de ordem é investir para resistir. Salvar o que puder ser salvo e cruzar os dedos à espera que a pandemia se desvaneça. Um orçamento conservador seria um conluio com a destruição da economia e, por arrasto, do equilíbrio social. Uma proposta que abdicasse de apoios aos mais desfavorecidos, de gastos na Saúde ou nas escolas, seria inviável até politicamente.

Mas, se podemos perceber a natureza “progressista” e anticíclica do Orçamento, temos igualmente de ter a consciência de que o país arrisca tudo o que tem e pode neste milagre de multiplicação dos pães financiado pela dívida. Não apostar a cave neste jogo significaria renúncia e capitulação. Apostar tudo neste Orçamento significa que estamos condenados a esperar que o “elevado nível de incerteza, associada à magnitude, abrangência e duração da situação pandémica e do seu potencial disruptivo sobre a economia”, como se lê no relatório, não aconteça. Este é o OE mais crítico da história recente do país – pelo que responde ao presente e pela ansiedade que cria para o futuro.

Sentámo-nos num barril de pólvora. Oxalá a pandemia acabe depressa, a economia resista, a sociedade portuguesa não sofra uma convulsão, oxalá sejamos capazes de evitar uma tormenta política. Porque, não nos iludamos, o “progressismo” dos gastos tem um preço. O preço do risco de todas as apostas. Um dia, o pacto de estabilidade voltará e o défice e a dívida estarão altíssimos. Se o arrojo der para o torto, será difícil evitar outra vez a aterragem do FMI na Portela.

É neste ponto que vale a pena perguntar: se faz sentido um orçamento expansionista, ele teria de ser apenas assim? Apenas voltado para a cultura conformista do que existe, ou na crença megalómana em projectos de investimento público – levar o comboio a todas as capitais de distrito, por exemplo? Voltamos assim à eterna questão do país sempre preocupado em redistribuir e nunca apostado em criar riqueza. Para lá de uns créditos fiscais, das moratórias ou da garantia de que não haverá aumentos de impostos para as empresas, a competitividade, o nervo de que o país precisa para enfrentar o futuro, só existe neste Orçamento como um adorno de pechisbeque. Entre a salvação e a bomba-relógio, resta-nos confiar na divina providência.

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