Turmas mistas: ainda existem e são uma chaga

Se há uns anos este era um problema dos meios longínquos das cidades (escolas de 1.º ciclo com poucos alunos sobretudo em zonas rurais), agora é um problema das cidades.

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Estas turmas são também conhecidas por “turmas multinível” PAULO PIMENTA

Em primeiro lugar permita-me esclarecer que o termo “turma mista” significa ter no mesmo grupo/turma alunos de anos de escolaridade diferentes. Estas turmas são também conhecidas por “turmas multinível”. Com o esclarecimento já percebemos que bom não pode ser. Mas, mais que isso, gostava que se percebesse a gravidade desta situação já se verificar também em Lisboa em 2020.

Se há uns anos este era um problema dos meios longínquos das cidades (escolas de 1.º ciclo com poucos alunos sobretudo em zonas rurais), agora é um problema das cidades e isto é a consequência, não só da demografia, mas sobretudo do desinvestimento que tem sido feito na escola pública.

Confesso que desconhecia este fenómeno dentro das grandes cidades, mas fiquei estupefacto quando fui confrontado com esta situação em plena capital. Sim, há escolas em Lisboa que têm turmas mistas. A “chaga social”, citando David Justino, chegou a Lisboa.

Perguntará o leitor, que problemas estão associados às turmas mistas? Para mim existem pelos menos três grandes problemas, a saber:

  • O insucesso escolar, que diversos estudos associam a estas turmas.
  • As desigualdades de oportunidades que alunos, muitas vezes do mesmo agrupamento, terão no seu percurso escolar. Uns beneficiam de um professor inteiramente dedicado ao nível em que se encontram, outros terão de dividir a atenção do professor com outros colegas, do outro nível.
  • O desgaste dos professores, devido a uma enorme sobrecarga de trabalho a que as turmas multinível os obrigam.

Portanto, importa realçar que à heterogeneidade esperada e normal de um grupo de trabalho de um mesmo ano de escolaridade juntar-se-á, na solução das turmas mistas, uma outra heterogeneidade decorrente da coexistência de anos de escolaridade distintos, dentro de uma mesma sala de aula, o que traz claras desvantagens para todos.

O problema tende a piorar quando se consegue identificar um padrão nestas turmas. São geralmente em escolas Território Educativo de Intervenção Prioritária (TEIP), geralmente, situadas em bairros sociais. Ora, é exactamente aqui que a intervenção deve ser prioritária. É nestas escolas que o investimento deve ser superior para que estas crianças, já por si em situação de desigualdade em relação aos seus pares, conseguissem através da educação de qualidade, com turmas mais pequenas e mais recursos humanos, alcançar o sucesso e poderem “sonhar” com a possibilidade de um dia apanharem o elevador social.

Estranho, no entanto, que os pais, contribuintes, não reclamem nem tão pouco percebam o problema que afectará os seus filhos. Aceitam impávidos e serenos as soluções que o Estado lhes oferece, como se de um favor tratasse, quase que agradecendo a oportunidade que este lhes dá de poderem ter os filhos a estudar.

Estranho, também, que o Governo, em plena pandemia, não só aceite turmas com mais de 20 alunos, como também as aceite em regime misto.

Não estranho, porém, que, quem possa, quem conheça e não ignore estes problemas, “fuja” para o ensino privado. Será que se trata de uma estratégia de redução de despesa na Educação? Fica a questão.

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