O governador Centeno versus o ex-ministro Centeno

Centeno vai ter de caminhar num pântano onde – como aconteceu com Carlos Costa – faça tudo ou o seu contrário será sujeito a dúvidas, a críticas e a suspeitas. Só uma absoluta distância do passado político e da história recente da banca o salvaria da suspeição.

A audição de Mário Centeno na Assembleia da República foi uma boa mostra das dificuldades que terá nos momentos difíceis que se antevêem no seu cargo de governador do Banco de Portugal (BdP). Todas as reservas e críticas que a oposição em bloco fez à sua nomeação foram legítimas e pertinentes. E todas as respostas do ex-ministro das Finanças foram evasivas ou insuficientes na argumentação. Mário Centeno acredita que a sua competência e a sua experiência no governo ou na frente europeia são razões suficientes para ser governador. Sê-lo-iam, se o cargo fosse isento de atritos políticos ou blindado quanto ao clima de suspeição que o condiciona. Sê-lo-iam também se quem está nesses lugares assumisse de forma clara e transparente as suas responsabilidades. Portugal, para o bem e para o mal, não é assim.

Como os deputados da oposição provaram, a nomeação de Centeno carrega o pesado fardo do seu passado político. Quando, e se, Mário Centeno tiver de decidir sobre a CGD, na qual interveio como agente do accionista Estado, quando, e se, for obrigado a intervir no Novo Banco, em cuja venda participou mesmo que só ao nível do aval político, é óbvio que o fará sob a condição de ex-ministro. Quando, e se, o fizer, será lógico que se invoque o código de conduta do BdP na parte em que se avisam os seus dirigentes sobre a sensibilidade de “interesses pessoais” que resultem de “anteriores experiências profissionais”. No caso de ter de decidir sobre a Caixa, o Novo Banco ou o Montepio, é lícito considerar que Centeno se empenhará em proteger o seu passado político enquanto ministro.

Na audição desta terça-feira, Centeno percebeu todos esses riscos e salvou-se com a bóia que tinha à mão: dizendo que nada teve que ver com o que se passou nos bancos enquanto foi ministro. É pouco. Mas ninguém acredita que ficasse congelado no momento em que, por exemplo, o BdP vendeu o Novo Banco à Lone Star.   

Mário Centeno dá-nos garantias de competência e honorabilidade para decidir em nome do interesse público. Mas a questão que a sua nomeação coloca vai muito para lá da sua honorabilidade, competência ou sentido de serviço público. Centeno vai ter de caminhar num pântano onde – como aconteceu com Carlos Costa – faça tudo ou o seu contrário será sujeito a dúvidas, a críticas e a suspeitas. Só uma absoluta distância do passado político e da história recente da banca o salvaria da suspeição. Centeno não terá essa bóia. É mau para ele. E mau para a credibilidade da supervisão do sistema financeiro.  

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