A renúncia de Sérgio Moro, o político que vestia a toga

No meio da pandemia da covid-19, salvar a família Bolsonaro da investigações da Polícia Federal se tornou o foco do Governo.

Sérgio Moro, a superestrela do judiciário brasileiro, não é mais o ministro de Justiça e Segurança Pública. Depois de colaborar com a eleição de Jair Bolsonaro, a colocar o principal oponente na prisão, ele finalmente tirou a toga de juiz e ficou apenas com o figurino de político. Almejou uma vaga no Supremo Tribunal Federal, tornou-se um ministro inoperante e hoje, sem poder sobre a escolha do líder da Polícia Federal, escolheu deixar o cargo. No entanto, ironicamente, isso é o menos importante.

A saída do ex-juiz, mas sempre político, Sérgio Moro é o resultado de diversas ações da família Bolsonaro para evitar investigações e uma denúncia formal por parte da Polícia Federal. Como explicado no artigo “A República do WhatsApp”, de 19 de março de 2020, uma comissão especial da Câmara dos Deputados investiga uma rede de disseminação de notícias falsas. A maior descoberta, até aquele momento, era da possível participação de Eduardo Bolsonaro – deputado federal e filho do presidente – no esquema. Segundo dados de um relatório entregue pelo Facebook, um perfil de fake news foi criado de dentro da Câmara dos Deputados e com um e-mail vinculado à Eduardo Guimarães, secretário de Eduardo Bolsonaro.

Como toda comissão de inquérito da Câmara dos Deputados deve ocorrer no prazo de 180 dias, a Mesa Diretora apresentou, no início do mês, assinaturas suficientes para prorrogar as investigações até 24 de outubro. Descontente com a medida, na última terça-feira (21), Eduardo Bolsonaro entrou com uma ação no Supremo Tribunal Federal exigindo que a CPMI (Comissão Parlamentar Mista de Inquérito) fosse encerrada e parcialmente anulada. A defesa de Eduardo cita falta de provas e que a motivação da investigação foi desvirtuada.

Ao mesmo tempo, as informações que rodeiam Brasília dizem que a Polícia Federal estava perto de chegar à liderança do chamando “gabinete do ódio”, grupo responsável por espalhar fake news e atacar os opositores de forma virtual. E esse seria o motivo de Jair Bolsonaro, de maneira surpreendente e sem ouvir seu próprio ministro da justiça, Sérgio Moro, exonerar Maurício Valeixo, diretor-geral da Polícia Federal

É importante destacar que a Polícia Federal, além de investigar a rede de disseminação de notícias falsas, também passou a investigar uma manifestação a favor da ditadura militar que ocorreu no domingo (19) e que, inclusive, contou com a presença do presidente Jair Bolsonaro. O caso passou a ser investigado após solicitação de Augusto Aras, procurador-geral da república, ao Supremo Tribunal Federal – rito necessário quando uma suspeita recai sobre políticos com mandato em vigor.

Com a mudança na direção da Polícia Federal, Bolsonaro tenta novamente ter poder sobre o que é investigado. Vale novamente ressaltar que a família do presidente mantém suspeitas de ligação com o crime organizado por ex-policiais do Rio de Janeiro e, por fim, nunca conseguiu se descolar inteiramente do caso da morte de Marielle Franco, ex-deputada carioca assassinada há dois anos. Os dois casos são explicados no artigo “Novíssimo Brasil”, de 9 de março de 2020.

A Polícia Federal foi amplamente fortificada durante os governos do PT (Partido dos Trabalhadores). Medidas que garantem poder de investigação e liberdade de trabalho foram consumadas, inclusive com a polícia a ganhar terreno para investigar o próprio governo do PT, que não podou as ações. Isso até hoje é considerado uma obrigação e, realmente, é uma obrigação. No entanto, desde o golpe que derrubou a presidente Dilma Rousseff, em 2016, essa é a segunda mudança surpreendente no comando da Polícia Federal. No final de 2018, Júlio César Baida Filho, o líder da investigação que analisava irregularidade em contratos ligados ao porto de Santos, em São Paulo, foi trocado de maneira fortuita. Um dos principais suspeitos do caso era o então presidente Michel Temer, que chegou a ser preso em 2019 por outra suspeita de corrupção.

Assim, o Brasil se afasta da democracia e, principalmente, perde a autoridade de fiscalizar quem está no poder. A saída de Sérgio Moro significa basicamente nada. Durante boa parte da investigação da Operação Lava Jato, Moro, e uma parte do Ministério Público, trabalhou de maneira política e sem a isenção própria de um juiz. Cito aqui a utilização de vazamentos de informações para a imprensa em momentos oportunos. Com essa e outras intervenções, no mínimo, eticamente reprováveis, a Lava Jato foi o carro-chefe que guiou o Brasil e o conduziu até a eleição da extrema-direita.

Sérgio Moro nunca foi o herói do Brasil, como boa parte da grande mídia tenta alçá-lo. Agora, sem ser mais juiz e nem ministro, espera-se que possa responder a todas as acusações do veículo The Intercept. Após o jornal ter acesso a milhares de mensagens trocadas por membros da Lava Jato, as publicações dão conta que o juiz atuou também como acusação. No entanto, infelizmente, como escrevi durante todo esse texto, manobras políticas-judiciais habituais do Brasil não me dão muita esperança.

A expectativa agora é que Sérgio Moro se lance como um nome de destaque para as eleições presidenciais de 2022. Ele deve ser procurado por diversos partidos de direita interessados em sua imagem de líder anticorrupção – apesar de ter participado da concepção de tudo o que Jair Bolsonaro representa hoje. O presidente, por sua vez, deve aumentar o seu isolamento no poder. E, por fim, mais do que nunca, as investigações sobre a disseminação de fake news e ataques virtuais no país devem ganhar destaque. Pelo menos, é o que pede a esperança.

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