Vereadora crítica da Polícia Militar assassinada no Rio de Janeiro

Marielle Franco foi atingida com quatro tiros na cabeça quando seguia num automóvel. Marcada vigília para esta quinta-feira em Lisboa.

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Marielle Franco destacou-se pela luta contra todas as formas de discriminação Facebook Marielle Franco
O motorista de Franco também foi morto
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O motorista de Marielle Franco também foi morto Reuters/RICARDO MORAES
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A vereadora da Câmara do Rio de Janeiro Marielle Franco, conhecida por criticar a actuação da Polícia Militar e a intervenção do Exército brasileiro na cidade no último mês, foi morta a tiro na noite de quarta-feira quando seguia no banco de trás de um automóvel. Foi atingida com quatro tiros na cabeça, o que leva as autoridades a acreditarem que se trata de um caso de assassínio político.

Marielle Franco tinha acabado de sair de uma sessão sobre o papel das mulheres negras na sociedade brasileira, que tinha começado por volta das 18h de quarta-feira.

Segundo a Polícia Civil, o crime ocorreu às 21h30, quando um carro se aproximou do automóvel em que seguiam a vereadora, o motorista e uma assessora – ao todo, foram disparados nove tiros e quatro atingiram Marielle Franco na cabeça. O motorista, Anderson Gomes, de 39 anos, também foi morto, e a assessora, Fernanda Chaves, foi tratada no hospital por ferimentos ligeiros provocados por estilhaços.

Os atacantes puseram-se em fuga sem nenhum dos pertences das vítimas, o que reforça as suspeitas de que o seu único objectivo era matar Marielle Franco.

Vigílias em Lisboa e no Porto

Para além de inúmeras manifestações no Brasil, em Portugal estão a ser organizados, através do Facebook, pelo menos três eventos de homenagem a Marielle Franco, dois em Lisboa e um no Porto – o encontro Marielle Franco Presente – Lisboa, com início às 18h desta quinta-feira, na Praça Luís de Camõesa Vigília pela Feminista Marielle Franco, a partir das 18h da próxima segunda-feira, também na Praça Luís de Camões (tinha sido marcada para a Praça da Figueira, mas foi entretanto mudada para a Praça Luís de Camões); e Marielle Franco, Presente! O Mundo não se Cala, às 18h30 da próxima segunda-feira em frente ao Consulado-Geral do Brasil no Porto, na Avenida da França, n.º 20.

O caso do assassínio de Marielle Franco chegou esta quinta-feira ao Parlamento Europeu, pela voz do eurodeputado português Francisco Assis, do PS. Numa nota enviada ao PÚBLICO, Assis disse que questionou a alta-representante da União Europeia para os Negócios Estrangeiros, Federica Mogherini, sobre “como pretende a União Europeia influenciar as autoridades brasileiras para que este chocante assassínio seja investigado até às últimas consequências”, e “para que seja garantida a segurança das populações e dos activistas que pugnam pelos direitos humanos das mesmas”.

“Marielle era uma personalidade interventiva e admirada por muitos, tendo-se destacado pela denúncia da violência arbitrária e amiúde mortífera a que por vezes recorrem as forças policiais brasileiras nas suas operações nas favelas do Rio de Janeiro”, disse Francisco Assis.

Activista dos direitos humanos

A vereadora, de 38 anos, foi eleita em 2016 pelo partido de esquerda PSOL e era uma feroz crítica da intervenção do Exército brasileiro no Rio de Janeiro, ordenada pelo Presidente Michel Temer em Fevereiro, e da actuação da Polícia Militar nas favelas da cidade.

Na terça-feira, um dia antes de ter sido assassinada, Franco tinha acusado a Polícia Militar do Rio de Janeiro de responsabilidade na morte do jovem Matheus Melo na Favela do Jacarezinho, na Zona Norte da cidade: “Mais um homicídio de um jovem que pode estar entrando para a conta da PM. Matheus Melo estava saindo da igreja. Quantos mais vão precisar morrer para que essa guerra acabe?"”

No sábado passado, a vereadora do PSOL acusou a Polícia Militar de aterrorizar os moradores do Bairro do Acari: “Precisamos gritar para que todos saibam o está acontecendo em Acari nesse momento. O 41.º Batalhão da Polícia Militar do Rio de Janeiro está aterrorizando e violentando moradores de Acari. Nessa semana dois jovens foram mortos e jogados em um valão. Hoje a polícia andou pelas ruas ameaçando os moradores. Acontece desde sempre e com a intervenção ficou ainda pior”, disse Marielle Franco, referindo-se à intervenção do Exército brasileiro ordenada pelo Presidente Temer como resposta ao aumento dos índices de violência na cidade.

Nascida a 27 de Julho de 1979 no Complexo da Maré, na Zona Norte do Rio de Janeiro, fazia questão de se apresentar como uma “cria da favela” – o que lhe dava uma autoridade acrescida para denunciar casos de violência policial nas zonas mais pobres do Rio de Janeiro.

Quando falava em público, costumava arrancar aplausos à assistência com frases como “lugar de mulher é onde ela quiser”.

O trajecto escolar começou no pré-vestibular Comunitário da Maré, e foi com uma bolsa que mais tarde se licenciou em Ciências Sociais na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. O curso superior foi feito ao mesmo tempo que criava a sua filha Luyara, hoje com 18 anos de idade.

O seu percurso na política foi feito de lutas contra todas as formas de discriminação, destacando-se o seu activismo contra as intervenções violentas da Polícia Militar nas favelas – e, mais recentemente, contra a acção do Exército nas ruas do Rio de Janeiro. Uma vida de activismo que começou quando uma das suas amigas foi morta na favela onde ambas moravam, vítima de uma bala perdida num tiroteio entre a polícia e traficantes de droga.

Quando foi eleita vereadora do Rio de Janeiro, em 2016, teve o apoio público de 257 figuras da vida académica brasileira.

“Fiquei muito feliz com essa votação expressiva porque eu acho que é uma resposta da cidade nas urnas para o que querem nos tirar, que é o debate das mulheres, da negritude e das favelas”, disse Marielle Franco após a eleição.

“Dor e indignação”

O cantor e compositor Caetano Veloso partilhou um vídeo no Facebook em que surge a tocar a canção Estou triste, numa manifestação de “luto por Marielle” que serve também para exigir “justiça para Marielle”.

E o realizador Michel Coeli partilhou no Twitter um vídeo em que Marielle Franco fala sobre o tratamento diferente dado pela polícia aos cidadãos negros nas regiões mais desfavorecidas: “Alguns meses atrás, Marielle Franco me recebeu e falámos sobre o estigma que o negro pobre sofre. Me surpreendia ver como ela contrariou as estatísticas, saiu da pobreza para ser uma das vereadoras mais votadas do Rio. Parecia um conto de fadas.”

Numa nota publicada no site do PSOL, a direcção do partido fala em “dor e indignação”: “Não podemos descartar a hipótese de crime político, ou seja, uma execução. Marielle tinha acabado de denunciar a acção brutal e truculenta da PM na região do Irajá, na comunidade de Acari. Além disso, as características do crime com um carro emparelhando com o veículo onde estava a vereadora, efectuando muitos disparos e fugindo em seguida reforçam essa possibilidade. Por isso, exigimos apuração imediata e rigorosa desse crime hediondo. Não nos calaremos!"

O Governo do Brasil, através do ministro da Segurança Pública, Raul Jungmann, disse que “acompanhará toda a apuração do assassinato da vereadora Marielle Franco e do motorista que a acompanhava” e pôs a Polícia Federal “à disposição para auxiliar em toda investigação”.

O prefeito do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella, condenou “o brutal assassinato da vereadora Marielle Franco, cuja honradez, bravura e espírito público representavam com grandeza inigualável as virtudes da mulher carioca”.

“Sua trajectória exemplar de superação continuará a brilhar como uma estrela de esperança para todos que, inconformados, lutam por um Rio culto, poderoso, rico, mas, sobretudo, justo e humano. Em cada lar uma prece, em cada olhar uma lágrima e em cada coração um voto de tristeza, dor e saudade. É assim que hoje anoitece a cidade desolada e amargurada pela perda de sua filha inesquecível e inigualável. Que Deus a tenha!”, disse o responsável.

O governador do estado do Rio de Janeiro, Luiz Fernando Pezão, lamentou “esse acto de extrema covardia contra a vereadora Marielle Franco”, descrevendo-a como “uma mulher admirável, guerreira e actuante, de liderança inequívoca, que tanto lutou contra as desigualdades e violência da qual acabou sendo vítima”.

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