Dia 18: Guerra e paz na hora de ir para a cama

Uma mãe/avó e uma filha/mãe falam de educação. De birras e mal-entendidos, de raivas e perplexidades, mas também dos momentos bons. Para avós e mães, separadas pela quarentena, e não só.

Foto
@DESIGNER.SANDRAF

Querida Mãe,

São quase 11 da noite e tenho as mais velhas acordadas. Durante as férias, não me chatearia muito. Durante as aulas, seria impensável. Durante as férias de uma quarentena... não sei bem o que sentir. É mesmo um assunto complicado.

Os dias mudaram completamente. Se estivessem de férias dava para os cansar na praia, na rua. Se andassem na escola, vinham cansados e estimulados. Assim, é inevitável que não consigam adormecer tão cedo, nem tão bem. Até porque a maior parte das crianças, incluindo claramente as minhas, estão a passar mais tempo nos ecrãs e isso também tem um impacto no sono. Mas mesmo quando eram as aulas online, foi difícil ser assertiva com as horas porque, na verdade, era possível acordar mais tarde. São rotinas artificiais e os mais velhos sabem disso.

O problema é que assim nós, os pais, temos muito pouco tempo para estarmos juntos enquanto casal. Ou quietos. Ou em silêncio. Ou seja, estas horas em que habitualmente eles já estão na cama, são mesmo preciosas para a nossa sanidade mental. A dúvida é como conjugar tudo isto, sem entrar em guerras desgastantes e desnecessárias.

Estou a tentar perceber exactamente do que preciso para mim e se há outra forma de conquistar esta trégua, tão importante. Parece-me que vou experimentar dar às mais velhas mais autonomia na hora de ir para a cama e ver o que acontece. Porque, por vezes, os nossos filhos cresceram, e já conseguem o que dantes era impensável, mas nós, por medo das consequências, não os deixamos prová-lo. Mas sei que vai implicar aceitar que se deitem mais tarde, vai implicar que durante uns dias provavelmente vão andar mais cansadas e rabugentas. Mas, talvez, depois se auto ajustem. Ou, se calhar, ainda vão precisar da minha ajuda. E nada disso é ceder ou regredir, mas pura e simplesmente dar espaço para perceber em que “nível de maturidade” já estão.

A grande pergunta é, estarei eu pronta para lidar com a experiência? E conseguirei controlar a minha própria necessidade de controlo? É isso que vamos ver nos próximos episódios.

E por aí? Este novo ritmo leva-vos para a cama mais cedo? Ou mais tarde? Sentem a pressão dos horários que todos tivemos desde sempre, e que agora se tornaram mais flexíveis? Eu estou a conseguir dormir até mais tarde, mas sempre a sentir-me culpada! Que estupidez!


Filha,

Ninguém pode sentir mais culpa por dormir até tarde do que eu! Durmo à mesma, mas com a vozinha da tua avó a dizer-me que são mais do que horas de me levantar. A avó acordava com as galinhas e acreditava, sinceramente, que o Senhor tinha feito o dia para trabalhar, e a noite para descansar. E a mim, parecia-me exactamente o contrário.

Quando era adolescente, sabes o que é que ela fazia aos fins-de-semana? Trazia-me o tabuleiro à cama com o pequeno-almoço, mas às 9 horas da manhã. E eu, perante um gesto daqueles, não tinha outro remédio senão agradecer-lhe, embora só me apetecesse deitar o tabuleiro – e também a minha mãe! — pela janela. Uf, a catarse está feita (e que saudades tenho dela). Livra-te de não dormires todos os minutos que te forem possíveis, o que atendendo a que tens quatro crianças fechadas contigo em casa duvido que sejam muitos.

Quanto à tua experiência-piloto, não te posso desejar mais do que boa sorte. E mandar uma “boca” de avó: não seria melhor dar dois gritos e fechar a porta, e se ficassem lá dentro caladinhas a ler com uma lanterna (como tu fazias) já não era nada contigo? Parecia-me francamente melhor ideia, mas tu lá sabes.

É que sem a expectativa das duas ou três horas depois de vocês estarem na cama, teria sucumbido. Até podem acordar-nos várias vezes durante a noite, mas desde que seja depois do meu banho de imersão tomado e de lidos três ou quatro capítulos de um bom livro.

Ah, as tuas perguntas. Tenho medo de te fazer demasiada inveja porque, por aqui, temos todo o tempo do mundo. E nem sequer é demais, porque só largo o computador para o noticiário das 8. A tua carta activou a minha culpa de mãe e avó que não ajuda a filha, mas já me vai passar!

Mas, espera, não posso acabar, sem te perguntar se viste o discurso da primeira-ministra da Nova Zelândia? Veio dizer às crianças que a fada-dos-dentes e o coelhinho da Páscoa estavam entre os profissionais autorizados a sair de casa neste fim-de-semana de isolamento mais do que obrigatório. Não é genial? Dizem que domingo vai estar sol, e espero que todos os miúdos possam encontrar um ovo só para eles.

Santa Páscoa, querida Ana.


No Birras de Mãe, uma avó/ mãe (e também sogra) e uma mãe/filha, logo de quatro filhos, separadas pela quarentena, vão diariamente escrever-se, para falar dos medos, irritações, perplexidade, raivas, mal-entendidos, mas também da sensação de perfeita comunhão que — ocasionalmente! — as invade. Na esperança de que quem as leia, mãe ou avó, sinta que é de si que falam. Facebook e Instagram

Sugerir correcção
Ler 1 comentários