Venezuela: a política da brutalização

Num país dominado por um governo brutal, a diabolização de Portugal e da TAP põe à luz a loucura da ditadura.

A situação na Venezuela, um país que em tempos foi próspero, hoje entregue a uma ditadura criminosa que destruiu a sociedade e a economia, tornou-se um espelho das contradições da esquerda radical. Em teoria, foi criado um Estado com um poder temporal (e ideológico) absoluto, com capacidade para resolver tudo, para se imiscuir nas mais ínfimas questões da vida quotidiana das empresas (das que restam) e dos cidadãos e “assegurar a felicidade na Terra” às vítimas das injustiças sociais.

Num país dominado por um governo brutal, apoiado na polícia política, num exército pletórico enquadrado por mais de dois mil generais, aos quais tudo foi permitido, e nos comités revolucionários de bairro (e de rua) que tudo controlam e exercem o poder na mais absoluta impunidade, na verdade o PIB desceu mais de 65% nos últimos dez anos e a inflação atingiu e instalou-se em níveis estratosféricos.

O Estado de direito foi substituído por uma espécie de “justiça de classe”, baseada na inveja e na absoluta discricionariedade dos que confiscaram o poder e o exercem com o mais completo desprezo das liberdades fundamentais. Em consequência disto, este modelo da esquerda populista radical, louvado pelos intelectuais comunistas europeus e latino-americanos, deu lugar ao maior movimento migratório da actualidade, com a fuga maciça de cerca de seis milhões de pessoas escorraçadas – mais, convém assinalar, do que toda a emigração resultante do prolongado conflito na Síria.

Milhares de portugueses têm sentido na pele o despotismo e a miséria que torna insustentável a permanência no país onde viveram toda uma vida e onde, graças ao seu esforço e ao seu trabalho, conseguiram prosperar. E resignam-se a voltar a Portugal, que tem o dever absoluto de os acolher e de os apoiar, como, aliás, tem feito o Governo Regional da Madeira. No entanto, não se conhece, à escala nacional, um verdadeiro dispositivo de protecção e apoio financeiro a estes emigrantes portugueses. Lamentavelmente, ficaram de fora da discussão do Orçamento do Estado.

A Venezuela de Chaves pretendeu tornar-se um paradigma da sociedade socialista, em que a ideologia da livre iniciativa privada, do trabalho e do mérito seriam abolidas para dar lugar a uma sociedade completamente igualitária, ainda que à custa do esmagamento da liberdade e da democracia. Só que essa igualdade nunca existiu e a uma sociedade imperfeita, mas com razoável nível de prosperidade, sucedeu-se a mais abissal miséria.

A violência política recusa, por definição, o compromisso próprio de qualquer sociedade democrática, apoiando-se numa concepção maniqueísta da sociedade, segundo a qual todos os opositores ao sistema têm que ser tratados como inimigos e não como interlocutores. Essa violência sem limites, como a que vemos no regime de Maduro, decorre da representação simplista e radical segundo a qual todas as falhas e insucessos são atribuíveis aos opositores internos, liderados por Juan Guaidó, e aos seus verdadeiros ou supostos aliados externos, demonizados como as causas dos sofrimentos impostos à população por um regime incompetente e corrompido até à medula.

Por isso, o regime venezuelano é também a encarnação violenta da brutalização política. E com o regresso ao país de Juan Guaidó, Presidente da República interino, legitimado pelo reconhecimento dos países democráticos, o regime teve de criar um novo inimigo, neste caso procurando diabolizar Portugal e a TAP, com o ridículo pretexto de que um tio de Guaidó teria trazido consigo pequenas lanternas com um misterioso químico susceptível de pôr em causa a segurança do país!

A violência e o ridículo misturam-se: o descabelado Diosdado Cabello, número dois do regime, veio agora criticar Portugal e a TAP, levando uma resposta rápida, adequada e inteligente do ministro dos Negócios Estrangeiros.

Subsequentemente veio o anúncio da suspensão de operações com a TAP, cujos fundamentos, de tão absurdos, põem à luz a loucura da ditadura.

Tudo isto nos recorda que a ainda democracia política de que desfrutamos na Europa, como um dado adquirido para sempre, é na realidade um regime complexo, frágil e não imortal.

Curiosamente, e por alguma razão, enquanto seis milhões de venezuelanos são forçados a deixar a sua pátria, nas mais terríveis condições, não consta, que se saiba, que os adeptos do regime pós-chavista em Portugal e na Europa se sintam entusiasmados em procurarem férias na Venezuela, para aí experimentarem o seu sonho, no país que reproduz o modelo político que defendem.

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