O Montepio podia ser um banco bom

É preciso que se perceba que, apesar da sua história recente, o Montepio pode ser recuperado para o interesse público.

Era uma vez um banco em que tudo parecia correr mal. As suspeitas de participação em operações financeiras ruinosas sucediam-se mas vários senadores da nação asseguravam que a instituição estava a funcionar e que os sexagenários brancos à frente das instituições eram gente séria e de pergaminhos. Passavam-se anos nisto garantindo a manipulação de provas e a realização dos últimos negócios. Até que um dia, quando não dava para aguentar mais, a PJ fez as primeiras buscas. É assim que se podia começar a contar a história do BPN, BPP, Banif, BES e... Montepio.

Na semana das primeiras buscas no Montepio, se o enredo se mantiver repetitivo, posso aventar que Tomás Correia personificará, do ponto de vista público, tudo o que de mal sucedeu na instituição. Será noticia os seus interrogatórios, será constituído arguido em inúmeros processos, suceder-se-ão as denúncias que o envolverão em casos de corrupção e afins, e os processos arrastar-se-ão durante anos e anos. Advogados pagos a preço de ouro garantirão que não lhe chegará qualquer condenação em vida. Para gerir as perdas e informação da instituição, será convocado quem seja da total confiança da oligarquia do sistema bancário.

Comecemos por perceber que Tomás Correia nunca será o absoluto responsável por tudo o que sucedeu no banco e na mutualista. Correia nunca teria conseguido chegar aqui sem, por exemplo, o apoio do actual presidente da Mesa da Assembleia, Vítor Melícias, que foi garantindo, internamente, a impossibilidade de controlo democrático dos processos eleitorais e a transformação das assembleias num patético carnaval e, externamente, garantindo o apoio militante dos sectores católicos mais incautos e exercendo as suas influências junto do poder acima de “secretariozecos e ministros”.

Mas esta também é a história que nos permite perceber a total promiscuidade do sistema bancário. O primeiro caso a ser investigado é o da ruinosa compra do Finibanco. Alegadamente, o Montepio ofereceu um valor muito superior de modo a garantir a capitalização do BES. Sendo certo que importa investigar se houve milhões a circular pelas contas de quem tomou as decisões ruinosas, também importa perceber quão solidária foi a oligarquia financeira, da restante banca ao Banco de Portugal.

Como se não bastasse a condenação de 14 bancos por conluio de valores de crédito desde 2002 ou a recorrente transferência de administradores entre bancos, é-nos cada vez mais claro que as instituições se destinam, exclusivamente, a servir as oligarquias e não a prestar serviços financeiros de interesse público. Só nesta bebedeira de poder, luxo e impunidade é que o presidente da mais importante cooperativa bancária pode pensar ter legitimidade para contratar a esposa para lhe prestar serviços de “estabilidade emocional”.

É assim em todo lado, dirão os cépticos. Contudo, não é verdade.

Noutros países, a banca ética, cooperativa ou mutualista, desempenham um papel importante e necessário na economia e não repete a actividade da banca comercial. Nessa medida é fundamental resgatar o Montepio, associação e banco, para o mutualismo. O primeiro passo deste caminho está inteiramente nas mãos deste Governo, rejeitando os Estatutos desenhados pelo grupo nomeado por Tomás Correia. O segundo passo, que envolve a entidade reguladora, deverá ser a marcação de eleições garantindo um processo livre, transparente e democrático. O terceiro passo é a constituição de um grupo de mutualistas capaz de resgatar a associação do seu caminho especulativo e de elevado risco recolocando-a, progressivamente, ao serviço de outro tipo de investimentos e sectores.

É preciso que se perceba que, apesar da sua história recente, o Montepio pode ser recuperado para o interesse público. O melhor que pode acontecer a quem viveu estes anos à conta da instituição é que a entidade se dissolva para que a culpa se volatilize. O que mais temem é que o controlo da mutualista seja detido por outras pessoas, que abram a instituição a quem tem de a investigar e que se dediquem a provar que a actividade bancária pode ser feita de outra forma.

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