Primeira-ministra escocesa afirma ter mandato para fazer segundo referendo sobre independência

Com a vitória esmagadora conquistada por Nicola Sturgeon, a líder do Partido Nacional Escocês enfrenta Boris Johnson e diz ter legitimidade para exigir uma segunda consulta popular, apesar de este ter já tido que a iria recusar.

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Nicola Sturgeon vê a vitória esmagadora do seu partido como mandato para exigir um segundo referendo LUSA/ROBERT PERRY

O Reino Unido arrisca-se a entrar numa nova crise constitucional com o independentismo escocês. Após uma vitória retumbante nas eleições escocesas, a primeira-ministra e líder do Partido Nacional Escocês (SNP), Nicola Sturgeon, anunciou que vai publicar na próxima semana um documento para permitir a transferência dos poderes necessários para organizar um segundo referendo sobre a independência.

“Vamos ter o controlo total dos poderes e mecanismos necessários para construir um país verdadeiramente justo e próspero. Esta não é uma simples exigência minha ou do SNP. É um direito do povo da Escócia e, como líder de um partido derrotado na Escócia, não tem o direito de o impedir”, disse Sturgeon, dirigindo-se ao primeiro-ministro e líder do Partido Conservador, Boris Johnson. “É agora claro que uma maioria esmagadora do povo da Escócia quer permanecer na União Europeia”, afirmou, depois de o SNP ter ganho 48 dos 59 assentos parlamentares (mais 13 do que tinha) reservados para a Escócia no Parlamento de Westminster, em Londres.

Mas Johnson fará precisamente isso: meter-se no caminho, para não ficar nos anais da História – algo importante, tendo em conta o seu fascínio por Winston Churchill – como o líder que perdeu a União. “Sou um unionista até aos ossos e a União nunca se vai romper na minha governação”, escreveu na semana passada num artigo de opinião no jornal escocês Herald

O referendo de Setembro de 2014, autorizado pelo primeiro-ministro britânico David Cameron, acabou com a vitória do não à independência. Mas muito pouco tempo depois, as sondagens começaram a revelar o arrependimento dos escoceses que se convenceram a votar pela permanência no Reino Unido, e a recuperação de uma maioria favorável à independência - e à permanência na União Europeia. Sturgeon já tinha ameaçado Theresa May da possibilidade muito real de convocar outro referendo.

Sturgeon não está disposta a abdicar do segundo referendo e Johnson não o quer. Uma vez que ambos se sentem legitimados como nunca pelas urnas, o mais provável é o Reino Unido caminhar para uma crise constitucional, alimentada pelo ‘Brexit’. O SNP recusou no seu último congresso a estratégia independentista catalã de desobediência e, portanto, caso Johnson não ceda, a única alternativa que se perspectiva é criar um movimento pró-independência tão forte que vença as eleições escocesas de 2022, prometendo a independência sem meios termos. 

Mas, por agora, Sturgeon diz ter recebido nas eleições de quinta-feira o mandato democrático necessário para avançar com um segundo referendo. “Acabei de ganhar as eleições com a força do argumento de que a Escócia tem o direito de escolher”, disse Sturgeon. “O povo da Escócia falou: é tempo de decidirmos o nosso futuro”, concluiu. “Aceito que Johnson, embora lamente, que Johnson tem um mandato para o ‘Brexit’ em Inglaterra. Mas não tem mandato nenhum para levar a Escócia para fora da União Europeia”, declarou.

O SNP conquistou uma vitória esmagadora ao garantir 48 dos 59 assentos que a Escócia elege para a Câmara dos Comuns. Obteve uns avassaladores 45% dos votos e os conservadores escoceses vêem-se acossados: elegeram seis deputados, menos sete que nas eleições de 2017. “A Escócia rejeitou Boris Johnson e os conservadores e também disse não ao ‘Brexit'”, continuou a líder nacionalista.

A chefe do Governo regional tinha acabado de falar aos jornalistas quando os conservadores escoceses se apressaram a contestar a sua narrativa independentista. “Ouvi Sturgeon dizer que o resultado é um mandato para um segundo referendo para a independência. Não era essa a história do SNP até às 22 horas da noite passada [quinta-feira, quando a sondagem à boca das urnas foi conhecida], era sobre travar o ‘Brexit’ e Boris”, criticou Jackson Carlaw, líder dos conservadores escoceses. “O SNP está a reverter o discurso e a decidir tomar as eleições como um livre passe para um referendo no próximo ano”.

Johnson quer concluir a saída do Reino Unido da EU até 31 de Janeiro de 2020 e já deixou bem claro que não fará cedências. Sturgeon corre contra o tempo para evitar que a Escócia acompanhe o resto do país no divórcio com o outro lado do Canal da Mancha, mas o calendário aponta que a Escócia terá de sair do projecto europeu, tornar-se independente para, depois, pedir a adesão à União Europeia. 

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