Plácido Domingo: “Nunca ataquei uma mulher” — hoje já “não se pode dizer nada a uma mulher”

Primeira actuação em Espanha após as acusações de assédio foi um sucesso. Em entrevista ao El País diz que o assédio “deve ser castigado em cada momento e em todas as épocas”, mas queixa-se das diferenças culturais entre Espanha e os EUA.

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Plácido Domingo, à esquerda, na encenação de Nabucco em Valência Juan Carlos Cárdenas/EPA

A primeira actuação de Plácido Domingo em Espanha após as acusações de assédio sexual que o afastaram das Óperas de Los Angeles ou Nova Iorque foi um sucesso, com uma ovação em Valência à qual se seguiu a sua primeira entrevista sobre o tema a um diário espanhol. Ao El País, o cantor lírico diz: “Nunca ataquei uma mulher”. E queixa-se de que hoje já “não se pode dizer nada a uma mulher” em algumas partes do mundo.

Ao contrário do que aconteceu nos EUA, em que a carreira de Plácido Domingo ficou em suspenso depois de 20 mulheres o terem acusado de diferentes actos de assédio sexual no âmbito do seu trabalho, a actuação no Palau de les Arts, onde interpretou Nabucco numa sala esgotada, nunca esteve em causa. Haverá novas récitas nos dias 5, 8, 11, 14 e 16 deste mês.

Desde Agosto, quando eclodiu a primeira investigação da Associated Press, a diferença de tratamento do tema entre as instituições culturais europeias e norte-americanos foi notória: à medida que iam sendo lançadas investigações internas nos EUA, Domingo actuava em Salzburgo perante um público solidário, por exemplo, e o La Scala de Milão e a Ópera de Viena mantinham-no no calendário. Ao El País, Placido Domingo volta a negar as acusações de que é alvo e desmente que não possa voltar a actuar nos EUA. “Se houver oportunidade, claro que sim. Há algumas ofertas. Nem tudo é Los Angeles ou o Metropolitan”, instituições das quais se afastou após as acusações.

"Com um meio de comunicação é sempre a perder"

Nos últimos meses, Plácido Domingo demitiu-se dos seus cargos de liderança nas Óperas de Nova Iorque e Los Angeles e logo no Verão as Óperas de Filadélfia, São Francisco e Dallas cancelaram as suas actuações previstas para a temporada em curso. Em Los Angeles, onde era director-geral desde 2003 e onde terão ocorrido alguns dos actos relatados pelas alegadas vítimas, decorre uma investigação com peritos externos a cargo da sociedade de advogados de Debra Wong Yang, antiga procuradora da Califórnia. Questionado sobre a mesma, Domingo diz ao El País que deu a sua versão dos acontecimentos em Los Angeles. “Não é um caso legal nem serei eu a convertê-lo nisso”, disse ainda.

O antigo tenor explica que não interpôs qualquer queixa ou processo judicial contra as suas acusadoras ou a Associated Press — “é inútil”, começa por dizer — porque “com um meio de comunicação é sempre a perder”; sobre as mulheres que o acusam de comportamentos padronizados de assédio que envolvem apalpões, comentários, propostas e o uso da sua posição hierárquica para se aproximar delas, diz apenas: “Não penso provocar represálias”. Porque, frisa, não foi acusado criminalmente de qualquer acto — a maior parte dos alegados crimes já prescreveram.

O diário espanhol questiona o intérprete sobre como é subir em palco com acusações deste calibre a pender sobre si e Domingo responde que na sua primeira actuação após a vinda a público dos primeiros casos, entrou em cena no Festival de Salzburgo “com raiva”. Porque, defende, “as acusações que me fazem não têm sentido”. Reforça que apesar de serem 20 mulheres de diferentes idades e percursos com histórias muito semelhantes sobre o seu alegado comportamento, “hoje em dia é muito fácil pegar em alguém com quem não se simpatize e difundir falsidades. (…) Urde-se uma trama”, diz.

Plácido Domingo defende-se depois garantindo: “Sou pela defesa das mulheres por inteiro. Nunca ataquei uma mulher, nunca me excedi, não condiz com a minha educação e maneira de ser. Nem abusei do meu poder em nenhum teatro”.

Mais à frente, recorre a um argumento ouvido frequentemente quando se questiona a validade das complexas acusações de assédio ou violência sexual, da ausência de testemunhas ou do reconhecimento de credibilidade das alegadas vítimas – “Se tivesse existido alguma queixa, teriam protestado. Não faz sentido”.

O músico apoia-se também no discurso de reacção à vaga de denúncias de assédio sexual que tem por base as mudanças de tempos, culturas, costumes e hábitos. Começando por dizer que o assédio “deve ser castigado em cada momento e em todas as épocas”, defende-se “como espanhol” dando o exemplo do piropo. Dizer “que bonita roupa tens, que bonita estás”, exemplifica, “era algo que podias dizer há 30 anos, até há dois. É que [já] não se pode dizer nada a uma mulher. Aqui [em Espanha] não é assim, mas noutros lugares e, concretamente, nestes grupos de onde saem as acusações, é assim. A mulher é a criação mais extraordinária de deus. Todos vimos de uma, somos filhos de uma mãe. Isso é o melhor que se pode dizer de uma mulher”.

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