O resumo da semana pelo Domingo

A racionalidade, a justiça e o apelo à abertura ao Outro parecem ser as melhores armas que temos para evitar que “não fique pedra sobre pedra” do edifício civilizacional pelo qual tantas mulheres e homens pereceram ao longo da História.

As leituras da Igreja Católica para o dia de hoje podem, como sempre, ser ligadas ao mundo em que vivemos, dada a sempiterna actualidade da palavra de Deus. Como sublinhava Faria Costa nas aulas de Mestrado em Direito Penal em Coimbra – e ele é agnóstico, ao que me lembro –, a Bíblia não é só para ser lida por crentes. Quem vive na civilização dita “ocidental” não pode entendê-la e, com isso, a si mesmo, sem conhecer os seus traços fundamentais.

Goste-se ou não, tenha provocado acesa polémica essa referência no que foi o malogrado processo de escrita de uma “Constituição Europeia”, a tradição judaico-cristã do nosso continente é inegável. E as grelhas de leitura que oferece são por demais evidentes: a direita é lugar de correcção, de salvação, a simbologia dos números sagrados, as regras de trato social, o “se Deus quiser” que provoca tolos debates como aquele de que Dina Aguiar foi vítima.

Na verdade, há uma grande diferença entre laicismo do Estado, imposto constitucionalmente – de que não podia ser mais fervoroso defensor – e uma atitude negacionista e hostil ao fenómeno religioso, o que é tão bacoco como negar que algo que estava condenado a desaparecer nas profecias de alguns, assuma cada vez mais força no século das tecnologias da informação e da comunicação.

O continente sul-americano, sempre a braços com problemas identitários que conduziram e conduzem a regimes autocráticos, amiúde sustentados por potências europeias e pela potência regional (os EUA), em troca das matérias-primas e de um colonialismo que continua na cabeça de muitas elites dirigentes, clama pelo nascimento do “sol da justiça” (1.ª leitura da Profecia de Malaquias). Maduro continua a tapar esse sol, alimentado por alianças de conveniência, e, na Bolívia, o povo revolta-se contra a alegada corrupção do seu agora ex-Presidente, mas também, ao que parece, contra os indígenas que chegaram ao poder.

Uma vez mais, a América Latina é um imenso tabuleiro de xadrez no qual jogam o “Tio Sam” e os líderes europeus, ou melhor, as grandes empresas que estão ao lado de cada um dos blocos. Mas “o sol da justiça” parece despontar no Chile, com a perspectiva de uma nova Constituição que substitua a deixada pela ditadura de Pinochet.

“De ninguém recebemos de graça o pão que comemos. (…) entre vós há alguns que vivem à toa, muito ocupados em não fazer nada.” (2.ª leitura retirada da Segunda Carta de São Paulo aos Tessalonicenses). Todos conhecemos pessoas assim, desde o/a vizinho/a bisbilhoteiro/a ao pobre que achamos nós não querer fazer nada, até ao infindável rosário sobre o rendimento social de inserção. Curiosamente, esta semana, falando com um Colega de Economia, dizia-me ele que a ideia de um “mínimo de subsistência universal” que rondasse cerca de 400 euros a cada indivíduo (independentemente da idade) não representava uma fatia importante do PIB e podia ter efeitos muito favoráveis na economia real, no sangue que tudo faz mover.

Existem experiências-piloto na Finlândia e investigadores da Universidade do Minho estão a estudar uma sua eventual aplicação por cá. Que todos quantos tenham condições de saúde têm o dever ético e social de colaborar com a sociedade, ao menos para pagarem o pão que consomem, é um dado tão auto-evidente que não pertence a qualquer ideologia de direita ou de esquerda. Do mesmo passo que a nossa Constituição deveria dedicar mais atenção aos deveres e não só aos direitos.

Na passada sexta-feira, dirigindo-se aos participantes em congresso da “Associação Internacional de Direito Penal”, como vem sendo hábito, Francisco reflectia sobre o actual estado deste ramo do Direito e sobre os seus principais desafios. Não podia ter sido mais oportuno: a “idolatria do mercado”, a qual particularmente toca os mais frágeis e indefesos – e que cá nos remete para os tristes eventos da sem-abrigo que abandonou o seu filho e ao rebate de consciência por todos sentidos –; a urgência em conter “a irracionalidade punitiva” – de que as propostas do Chega são uma triste nódoa no nosso país –, mas sem perder de vista os riscos de um certo “idealismo penal”, cuja noção é praticamente igual à daqueles que se reclamam da “prevenção geral positiva”, na senda de Jakobs, e esquecem que as normas criminais são feitas para gente de carne e osso: por muito que se defenda um ideário humano e ressocializador, no qual me revejo, as penas têm de ser sempre um sacrifício proporcional. Se assim não for, só daremos munições aos populistas penais que estão representados em todos os parlamentos do mundo.

Numa palavra, em linguagem metafórica, agora segundo o evangelho de Lucas, “Dias virão em que não ficará pedra sobre pedra. (…) Cuidado para não serdes enganados, porque muitos virão em meu nome.”. Muitos são os cantos de sereia, mesmo que os corpos que os preconizem nada tenham de sereia. A racionalidade, a justiça e o apelo à abertura ao Outro parecem ser as melhores armas que temos para evitar que “não fique pedra sobre pedra” do edifício civilizacional pelo qual tantas mulheres e homens pereceram ao longo da História.

Boa semana!

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