Sánchez e Iglesias têm um acordo de governo: “Oportunidade histórica converteu-se em necessidade histórica”

Líderes de PSOE e Unidas Podemos anunciam pré-acordo inétido para executivo de coligação “rotundamente progressista”, mas precisam do apoio de outros partidos. Iglesias poderá ficar com a vice-presidência.

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O abraço de Sánchez (PSOE) a Iglesias (Podemos), no anúncio do acordo de Governo Sergio Perez/Reuters

Sete meses depois, e com uma eleição de desfecho agridoce pelo meio, Pedro Sánchez resolveu pôr fim ao braço-de-ferro que tinha com Pablo Iglesias e chegou a pré-acordo com o líder do Unidas Podemos para a formação de um “Governo rotundamente progressista” para Espanha. O anúncio, inesperado, foi feito esta terça-feira, em nome de um compromisso inédito para ultrapassarem, juntos, o bloqueio parlamentar. E foi selado com um abraço entre os dois dirigentes, num gesto simbólico onde cabem todas as contradições da nova era política espanhola.

A solução implica a oferta da vice-presidência do executivo ao líder do Unidas Podemos e pode dar à democracia de Espanha o seu primeiro Governo de coligação. Mas depende do apoio ou da abstenção de outros partidos no Congresso dos Deputados, incluindo independentistas, nacionalistas e regionalistas.

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“O que em Abril era uma oportunidade histórica converteu-se agora numa necessidade histórica. Fico satisfeito por anunciar, junto a Sánchez, um pré-acordo para formarmos um Governo de coligação progressista, que combine a experiência do PSOE com a valentia do Podemos”, congratulou-se Iglesias, numa conferência de imprensa conjunta no Congresso, em Madrid, prometendo “lealdade” ao presidente do Governo em funções e sublinhando a necessidade de se combater o crescimento eleitoral do Vox: “Esta é a melhor vacina contra a extrema-direita”.

“Será um Governo progressista, sim ou sim, integrado por forças políticas que vão trabalhar para o progresso. Será um Governo para quatro anos, para toda a legislatura”, afiançou, por seu lado, Sánchez.

Divulgado pelas partes ao início da tarde, o acordo escrito assenta em dez grandes linhas de actuação prioritária – que incluem o apelo ao diálogo na Catalunha, a luta contra as alterações climáticas, o combate à precariedade e ao desemprego ou o alargamento dos direitos sociais – mas não faz qualquer referência à distribuição dos cargos ministeriais. 

95% de intranquilos

Citadas pela imprensa espanhola, fontes de Partido Socialista e do Unidas Podemos garantem, no entanto, que Sánchez e Iglesias deixaram cair todos os vetos que contribuíram para que a coligação de esquerdas tenha fracassado depois das eleições de Abril, nomeadamente sobre a composição do Conselho de Ministros. Mais: informam que Iglesias está na calha para servir o novo Governo como vice-presidente.

Uma possibilidade que Sánchez encarava, há dois meses, como motivo mais do que suficiente para que “95% dos espanhóis não consigam dormir tranquilos”. “Incluindo eleitores do Unidas Podemos”, disse numa entrevista, em Setembro.

A reorientação estratégica vertiginosa do líder socialista, em menos de 48 horas – depois de meses a insistir numa solução de “cooperação e não de coligação” e a vetar a participação do Podemos e, concretamente, de Iglesias –, não é mais do que o seu reconhecimento, mesmo que tácito, de que a repetição eleitoral não trouxe qualquer vantagem ao PSOE.

Bem pelo contrário: os socialistas venceram a contenda, é certo, mas perderam três deputados e viram os seus potenciais parceiros – Unidas Podemos e Cidadãos – reduzirem, também eles, a sua representação parlamentar.

Pedro Sánchez assumiu esta terça-feira a “decepção” do “eleitorado progressista” com o falhanço do acordo entre Podemos e PSOE nos últimos meses, mas mostrou-se entusiasmado com a nova oportunidade que lhe foi concedida depois de domingo. Que é mais do que suficiente, assegurou, para os agora parceiros esquecerem as divergências do passado. 

“O acordo que apresentamos hoje não foi possível nas eleições anteriores. Temos consciência da decepção que isso gerou junto dos eleitores progressistas e dos cidadãos que queriam um Governo para superar a situação de bloqueio. Mas o projecto político que temos agora é tão entusiasmante que supera qualquer desentendimento dos últimos meses”, afirmou o socialista. 

Caça aos apoios

Apesar do entendimento, PSOE e Unidas Podemos não têm deputados suficientes para governar em maioria no Congresso ou serem sequer investidos como executivo. Os socialistas elegeram 120 deputados e a coligação de esquerda ficou-se pelos 35. Juntos têm 155 representantes e a maioria na câmara baixa das Cortes espanholas é de 176, pelo que será necessário convencer outras forças políticas a darem luz verde a esta solução.

“O acordo nasce com o propósito de se abrir a outras forças políticas, para tornar viável uma maioria parlamentária estável e sustentada. O PSOE abrirá agora uma ronda de contactos para a conseguir”, informou Sánchez.

A investidura à primeira votação é uma miragem para os dois partidos, uma vez que são necessários os 176 apoios. Os esforços dos socialistas e podemitas serão, por isso, canalizados para a segunda votação, que admite a viabilização de um Governo por maioria simples e onde as abstenções podem ser decisivas.

O protagonismo oferecido a Iglesias pode ser uma forma de procurar o apoio dos deputados de Mais País (3 deputados), Partido Nacionalista Basco (PNV, 7) e até da Esquerda Republicana Catalã (ERC, 13) e do EH Bildu (5), entre outros. Mas se os dois primeiros se mostraram, rapidamente, dispostos a dar luz verde à coligação, os independentistas bascos e catalães de esquerda fizeram exigências.

“Neste momento, a resposta é um ‘não’”, afirmou esta terça-feira Marta Vilalta, porta-voz da ERC. “A nossa proposta é muito clara: exigimos o reconhecimento de que existe um conflito político [na Catalunha]. É muito simples, é muito claro”. 

O documento escrito sobre o acordo dá conta de um compromisso, ainda que vago, de “garantir a convivência na Catalunha e a normalização da vida política com fórmulas de diálogo para um entendimento (…) respeitando sempre a Constituição”.

Por outro lado, o acordo alcançado à esquerda parece ter sido o prego no caixão na hipótese de uma eventual abstenção do Partido Popular (PP, 88) ou do Cidadãos (10), numa votação de investidura. O PP até agradece ter sido libertado da pressão de ter de se abster para não ser acusado de querer bloquear o Congresso e ambos os partidos criticaram a solução negociada por Sánchez.

“Não vamos pactuar com um Governo a que ele [Sánchez] chama de progressista, mas que é radical de esquerda e que está em conivência com a Generalitat da Catalunha, instalada na ilegalidade. Estaremos à altura das circunstâncias”, reagiu Pablo Casado, líder dos populares. “Espanha precisa do oposto a esse Governo radical”.

Sem líder – Albert Rivera demitiu-se na ressaca do descalabro eleitoral do partido – o Cidadãos deu conta da sua posição através de Inés Arrimadas (porta-voz) e José Manuel Villegas (secretário-geral), pedindo a Pedro Sánchez para arrepiar caminho e tentar encontrar um “acordo moderado e constitucionalista”, com os liberais e com o PP, baseado em “pactos de Estado que sejam bons para Espanha”. O contrário do que Rivera fez, portanto.

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