A memória da crise e a eventual maioria absoluta do PS

Pode parecer contraditório, mas não é. Assim como os portugueses percebem que a sua situação e a do país estão melhor, não esquecem o que passaram. E percebem a importância da estabilidade política e das políticas, sobretudo a necessidade de equilíbrio da execução orçamental.

A previsibilidade de uma vitória do PS nas legislativas de 6 de Outubro pode, em parte, ser explicada por duas notícias que nada têm a ver com campanha eleitoral, programas de partidos ou mesmo actividade político-partidária: a dos indicadores de confiança dos consumidores divulgados pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) relativos a Agosto e a do Segundo Grande Inquérito sobre Sustentabilidade, da responsabilidade de investigadores do Instituto de Ciências Sociais (ICS) da Universidade de Lisboa.

De acordo com os dados do INE, pelo quinto mês consecutivo, os indicadores da confiança dos consumidores subiram com base em critérios que passam pelas “perspectivas relativas à situação económica do país e à realização de compras importantes”, assim como pelas “opiniões sobre a situação financeira do agregado familiar e expectativas sobre a evolução futura da situação financeira do agregado familiar”, explicava a Lusa. Ou seja, os consumidores – que são também eleitores, é bom não esquecer – sentem que a sua situação e a do país melhoraram.

Mas, se há mais confiança, o estudo do ICS demonstra também que os cidadãos ainda não se esqueceram da crise de 2010 nem das imposições e da intervenção da Comissão Europeia, do Banco Comercial Europeu e do Fundo Monetário Internacional, para viabilizarem um empréstimo de 78 mil milhões de euros e evitar a bancarrota do Estado português, entre 2011 e 2014. E não se esquecem, sobretudo, dos cortes no seu rendimento devido ao “enorme aumento de impostos”, como lhe chamou o então ministro das Finanças, Vítor Gaspar.

Realizado entre Novembro e Dezembro de 2018 e questionando 1700 pessoas, o Segundo Grande Inquérito sobre Sustentabilidade conclui que a maior preocupação dos inquiridos é com o “sustento corrente da vida” (60,6%), no que se inclui o risco de desemprego (38,8%), “o baixo poder de compra ou baixos salários (29,2%) e o custo de vida (9,6%)”.

Como afirma à Lusa uma das responsáveis pelo estudo, Luísa Schmidt, “as pessoas sentem que a crise ainda não terminou e isso deixou desconfiança e uma sensação de insegurança que permanece activa e que é determinante de muitos comportamentos, até de comportamentos ligados ao consumo, com um perfil mais notório do ‘consumidor constrangido’, que faz contas a tudo”.

Pode parecer contraditório, mas não é. Assim como os portugueses percebem que a sua situação e a do país estão melhor, não esquecem o que passaram. E percebem a importância da estabilidade política e das políticas, sobretudo a necessidade de equilíbrio da execução orçamental. É nisso que o líder do PS e primeiro-ministro, António Costa, tem apostado desde o início do seu mandato, em Novembro de 2015. Chegando, agora, à véspera do início da campanha eleitoral, com dados de execução orçamental do primeiro semestre que apontam para a possibilidade de superavit já no final de 2019, superando as previsões de 0,2% de défice apontadas inicialmente pelo Governo, como explicou no PÚBLICO Ricardo Cabral. 

Uma estratégia em que António Costa apostou, tendo como pivot o ministro das Finanças, Mário Centeno, e que passou por trazer o PCP e o BE para a lógica do equilíbrio das contas públicas. Aliás, quando, no final de 2017, foi aprovado o Orçamento do Estado para 2018, ficou claro que o Governo duraria a legislatura e que António Costa tinha sensibilizado o PCP e o BE. Se um destes dois partidos quebrasse e saísse do acordo, provocando eleições antecipadas, seria penalizado nas urnas. Isto precisamente porque os cidadãos – que são consumidores, eleitores, contribuintes – sabem onde lhes doeu e onde não querem ser de novo atacados: no seu rendimento e na sua qualidade de vida.

Os partidos perceberam-no de tal forma que até Catarina Martins adoptou a expressão “contas certas”, apesar do programa do BE ser o que assume claramente um aumento da despesa e dos encargos do Estado. Mas a maioria dos principais partidos que concorrem às legislativas e agora têm representação parlamentar tiveram um extremo cuidado em não fazer promessas vãs, como assinalou o director do PÚBLICO, Manuel Carvalho, em editorial, sobre um trabalho feito pela jornalista Liliana Valente

Os sinais internacionais (guerra comercial entre os Estados Unidos e a China), mas também das economias dos países do Norte da União Europeia, a começar pela poderosa Alemanha, que poderá entrar em recessão em 2019, apontam para que pode estar a acabar o ciclo económico positivo e a iniciar-se um ciclo de recessão e até de crise.

É positivo que os partidos tenham disso consciência, o reflictam nos seus programas eleitorais e que travem ou mesmo abandonem o facilitismo de promessas megalómanas irrealizáveis. Até porque os eleitores têm memória. É essa memória da crise e a aposta na estabilidade que poderão ajudar, em parte, a dar ao PS, até, a eventual maioria absoluta.

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