Paisagem de mar e saudade com livros ao fundo em Belém

Sophia e Sena, escritores nascidos em 1919, Bernardo Sassetti e Zé Pedro, dois músicos desaparecidos nesta década, vão reviver na Festa do Livro, de quinta a domingo nos jardins da Presidência da República.

Foto
Como nos anos anteriores, o Presidente vai andar por ali LUSA/Tiago Petinga

Se a Festa do Livro deste ano tivesse um título, podia roubá-lo a um poema de Jorge de Sena: Cantar do Amigo Perfeito. Como perfeita era a amizade, ainda que a um mar de distância, de Sophia de Mello Breyner Andresen e Jorge de Sena. Os dois escritores, nascidos há cem anos e que durante duas décadas trocaram uma correspondência intensa e incontornável na literatura portuguesa, vão ser homenageados na quarta edição desta iniciativa da Presidência da República, que abre os jardins do Palácio de Belém ao público a partir de quinta-feira e até domingo.

São quatro dias de espectáculos, actividades para crianças, debates, sessões de autógrafos e, claro, muitos livros, trazidos pelas 47 editoras presentes, reunidas pela APEL (Associação Portuguesa de Editores e Livreiros), parceira da Presidência nesta iniciativa. Por isso se chama festa, e como não há festa sem música, também há concertos.

As portas abrem às 18 horas de quinta-feira, tanto a da entrada principal como a do Jardim Botânico Tropical, que este ano vai ser alargada a todo o período do dia e noite, criando um outro percurso e chamando a atenção para esse espaço que também já pertenceu ao Palácio de Belém, complementando assim a vertente de passeio que esta festa também tem. Nesse fim de tarde, o destaque vai todo para os editores e livreiros, com quem o Presidente se encontra, e que é a finalidade primeira da iniciativa.

Como sublinha Pedro Mexia, consultor do Presidente para a cultura, a ideia de promover esta iniciativa nasceu “não só porque Marcelo Rebelo de Sousa é ele mesmo um bibliófilo e porque quis abrir o Palácio ao público, mas também como tentativa de chamar a atenção para a crise dos livreiros, editoras, distribuidores, pois todo o percurso do mercado livreiro está frágil, sofre dificuldades e enfrenta desafios”. A APEL tem nesta festa uma espécie de “extensão” da Feira do Livro com a sua programação própria, com sessões de autógrafos, lançamentos de livros e alguns debates.

Já a programação feita este ano pelo Palácio de Belém tem cheiro a mar e a saudade. Porque não se pode falar de Sophia sem falar de mar, não se pode falar de Sena sem falar de exílio e saudade, mas mar e saudade também evocam dois músicos desaparecidos nesta década: Bernardo Sassetti e Zé Pedro, cujos acordes vão ecoar por ali nas noites de sexta-feira e domingo.

Bernardo Sassetti chega logo na sexta-feira, ao lado de Sophia, no espectáculo A Menina do Mar com música da sua autoria, no Pátio dos Bichos. Os textos são lidos por Carla Galvão e Filipe Raposo, logo a seguir à exibição da curta-metragem “Sophia de Mello Breyner Andresen”, de João César Monteiro (1969), às 22 horas. Sobre a escritora faz-se o primeiro debate, às 18h, com a sua filha Maria Andresen e o professor de Literatura Gustavo Rubim.

A obra de Jorge de Sena estará em debate no domingo, pela voz dos poetas Rosa Oliveira e Nuno Júdice, às 18h na Cascata. E às 21h, o concerto de encerramento da Festa era “inevitável”, segundo Pedro Mexia: “Os Xutos e Pontapés já tocaram em praticamente todos os eventos em Portugal e ilhas”, faltava este, diz, mas também porque “houve um sentimento de unanimidade nacional quando morreu o Zé Pedro que foi muito visível e impressionante. O Presidente esteve no velório e a ideia desta homenagem nasceu logo aí”.

Crises, regimes e um Presidente monárquico

No sábado, a tarde é marcada por dois debates de cariz mais político. Às 16 horas, os historiadores Lourenço Pereira Coutinho, Carlos Valentim e Rui Ramos conversam sobre um Presidente da República que, afinal, era monárquico. O pretexto é o livro O Drama de Canto e Castro, que foi eleito dois dias depois do assassinato de Sidónio Pais, e esteve no cargo apenas alguns meses, entre Dezembro de 1918 e 5 de Outubro de 1919, em plena 1ª República.

 A seguir, às 18 horas, António Costa Pinto e Rui Ramos, dois académicos que têm obra sobre os regimes políticos, vão conversar sobre Crises e Regimes. “Desde o constitucionalismo monárquico ao Estado Novo - do 5 de Outubro, em que há uns tiros na rotunda, ao 28 de Maio, em que há umas pessoas a cavalo nas ruas de Braga -, os regimes portugueses têm essa fragilidade de caírem sem estrondo, como se fosse inevitável e toda a gente estivesse à espera que acontecesse”, salienta Pedro Mexia. A ideia desta sessão é perceber se o que hoje se diz sobre a crise do regime tem alguma semelhança com o ambiente das vésperas da queda dos regimes políticos anteriores, acrescenta.

Nessa noite, o concerto está a cargo do D.A.M.A. “Foi uma ideia que agradou ao Presidente da República, é um grupo que faz essa ligação ao grande público e torna a Festa mais abrangente, para contemplar gostos diferentes, como acontece com as editoras”, diz Mexia. Mas atenção, a procura para os concertos é sempre muito grande. Aconselha-se a chegar cedo, porque as portas fecham quando se atinge a lotação máxima. Quem não tiver lugar no Pátio dos Bichos, pode ver o espectáculo no ecrã gigante que vai ser colocado no Jardim dos Teixos. 

Sugerir correcção
Ler 1 comentários