Sergio Moro incentivou procuradores a divulgarem pagamentos da Odebrecht a dirigentes venezuelanos

Intercept e Folha revelam novas mensagens entre o então juiz e os procuradores da Lava-Jato. O objectivo seria enfraquecer o regime de Nicolás Maduro.

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O ministro da Justiça do Brasil, Sergio Moro ADRIANO MACHADO/Reuters

O ministro da Justiça do Brasil, Sergio Moro, vai tirar cinco dias de licença, de 15 a 19 de Julho, por “motivos particulares”. Uma pausa que ocorre num período de grande desgaste devido às revelações de que trocou mensagens com os investigadores da Lava-Jato quando era o juiz responsável pelos processos e de que agiu de forma irregular.

No domingo, novas mensagens foram divulgadas pelos jornais Folha de S. Paulo e The Intercept Brasil, que revelam que Moro incentivou membros da operação anticorrupção a divulgarem informações sobre contractos assinados pela construtora brasileira Odebrecht na Venezuela. O objectivo seria enfraquecer o regime de Nicolás Maduro.

“Talvez seja caso de tornar pública a delação da Odebrecht sobre subornos na Venezuela. Isso está aqui ou na Procuradoria-Geral da República?”, questionou Sergio Moro ao procurador Deltan Dallagnol, que chefiava as investigações, numa mensagem enviada a 5 de Agosto de 2017. As conversas foram divulgadas por uma fonte anónima ao jornal digital The Intercept Brasil que, em parceria com o Folha de S. Paulo, tem vindo a divulgá-las.

Segundo o Folha de S. Paulo, as mensagens mostram que a PGR e os procuradores em Curitiba dedicaram meses de trabalho ao projecto e trocaram informações com procuradores venezuelanos opositores de Nicolás Maduro, tendo investigado ainda contas usadas pela Odebrecht para pagar subornos a autoridades do regime na Suíça.

A construtora Odebrecht reconheceu, em 2016, que tinha pago subornos a Governos de 11 países, além do Brasil. Porém, o Supremo Tribunal Federal decretou que as informações divulgadas pela empresa fossem mantidas em sigilo. O acordo, estabelecido entre a Odebrecht e as autoridades do Brasil, Estados Unidos e Suíça, determina que as informações só podem ser partilhadas com investigadores de outros países caso eles garantissem não tomar medidas contra a empresa e os seus executivos.

Nas mensagens agora divulgadas, que remetem a 2017, Deltan Dallagnol diz a Moro que os procuradores iam procurar uma forma de contornar o acordo assinado e referiu ainda a intenção de prosseguir com uma acusação de lavagem de dinheiro. “Haverá críticas e um preço, mas vale pagar para expor e contribuir com os venezuelanos”, disse o procurador.

A discussão continuou nos dias seguintes, com membros da Lava-Jato a mostrarem algumas preocupações quanto à viabilidade jurídica – visto que estariam também envolvidas autoridades estrangeiras – e ao impacto político de tal acção na Venezuela. “Vejam que uma guerra civil lá é possível e qualquer acção nossa pode levar a mais convulsão social e mais mortes”, afirmou Paulo Galvão. “Imagina se o fazemos e o maluco manda prender todos os brasileiros em território venezuelano”, escreveu o procurador Athayde Ribeiro Costa.

Já Deltan Dallagnol reforçou que Russo (o apelido usado para se referirem a Sergio Moro) apoiava a iniciativa. “Russo diz que temos que estudar a viabilidade. Ou seja, ele considera”, acrescenta Deltan.

Autenticidade das mensagens posta em causa

Por sua vez, Sergio Moro não reconhece a autenticidade das mensagens divulgadas.

“O ministro da Justiça e da Segurança Pública não reconhece a autenticidade das supostas mensagens obtidas por meios criminosos e que podem ter sido adulteradas total ou parcialmente”, disse fonte da assessoria de imprensa de Moro citada pelo Folha de S. Paulo. “Mesmo se as supostas mensagens citadas na reportagem fossem autênticas, não revelariam qualquer ilegalidade ou conduta antiética, apenas reiterada violação da privacidade de agentes da lei com o objectivo de anular condenações criminais e impedir novas investigações”, acrescentou.

“O material apresentado pela reportagem não permite verificar o contexto e a veracidade das mensagens”, sublinhou a assessoria de imprensa da Operação Lava-Jato em Curitiba.

Os procuradores terão enfrentado algumas dificuldades, nomeadamente quando Sergio Moro assumiu o cargo de Ministro da Justiça no Executivo de Jair Bolsonaro, assim como alguma resistência por parte do Supremo Tribunal Federal. Outro dos obstáculos terá sido encontrar interlocutores na Venezuela, depois de a procuradora-geral Luisa Ortega Díaz ter sido destituída e ter procurado asilo na Colômbia.

Luisa Ortega Díaz garante que foi afastada por Maduro por investigar as suas relações com a construtora Odebrecht. A procuradora terá viajado poucos dias depois para o Brasil para entrar em contacto com a PGR e procurar uma forma de conseguir cooperar com a operação Lava-Jato.

O Instituto Datafolha publicou também este domingo o resultado de um inquérito que mostra que 63% dos brasileiros têm conhecimento da troca de mensagens entre Sergio Moro e os membros da Lava-Jato, sendo que a maioria (58% dos 2086 entrevistados entre 4 e 5 de Julho em 130 cidades) consideram a sua conduta inadequada. Ainda assim, 54% acreditam que não existem razões suficientes para que o Ministro da Justiça abandone o cargo.

O mesmo inquérito revela que 54% dos entrevistados continuam a favor da prisão do ex-Presidente Lula da Silva e consideram a pena justa.

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