Sócrates e Durão tentaram lançar Freitas contra Cavaco e Sampaio

Terceiro livro de memórias de Freitas do Amaral lançado nesta segunda-feira.

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Freitas do Amaral ENRIC VIVES-RUBIO
Diogo de Freitas do Amaral
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Nuno Ferreira Santos

O ex-líder do CDS Diogo Freitas do Amaral revela no seu terceiro livro de memórias que os antigos primeiros-ministros Durão Barroso e José Sócrates tentaram, em momentos diferentes, que se candidatasse à Presidência da República contra Jorge Sampaio e Cavaco Silva.

No livro “Mais 35 anos de Democracia - Um percurso singular”, Freitas do Amaral relata que o antigo primeiro-ministro José Manuel Durão Barroso o tentou convencer a candidatar-se contra o então Presidente da República, Jorge Sampaio, nas eleições de 2001.

Já José Sócrates, de quem foi ministro dos Negócios Estrangeiros durante 15 meses, terá tentado que entrasse na corrida presidencial contra Cavaco Silva, em 2006, mas Mário Soares viria a antecipar-se e esta questão não voltou a colocar-se.

Freitas do Amaral, que perdeu a segunda volta das presidenciais de 1986 contra Mário Soares (49%-51%), relata os incentivos que recebeu do seu amigo Basílio Horta e de Paulo Portas para se candidatar a Belém contra Jorge Sampaio em 2001, sufrágio em que o socialista derrotou Joaquim Ferreira do Amaral, antigo ministro das Obras Públicas de Cavaco Silva.

“Quando pensava que o problema tinha morrido, eis que me telefona o Dr. Durão Barroso a propor um encontro. Realizou-se em casa dele, no Campo Grande. Prometeu-me todo o apoio do PSD e explicou-me por que razões achava - ele e a direcção do seu partido - que eu tinha grandes hipóteses de vencer Jorge Sampaio. Repeti os argumentos que dera ao Basílio Horta e a Paulo Portas. Ele, simpaticamente, insistiu muito comigo: era a grande oportunidade de uma desforra em relação a 1986”, escreve.

Freitas diz ter sublinhado a ideia de que “o povo português concebia, na prática, os mandatos presidenciais como devendo durar em princípio dez anos”, assumindo que “não queria arriscar segunda derrota numa campanha presidencial”.

“Ainda por cima, acrescentei, daqui a cinco anos o Prof. Cavaco Silva vai candidatar-se de novo, e o PSD não me poderá voltar a apoiar: que me interessa perder agora se não puder ter apoio para me candidatar daqui a cinco anos, quando tudo será mais fácil, por não haver um presidente que se possa recandidatar?”

O antigo líder democrata-cristão pediu então o apoio público e “por escrito” do PSD para as presidenciais seguintes mas Durão recusou. “Durão ficou visivelmente preocupado. Não estava à espera de uma proposta tão difícil para o PSD. Respirou fundo e disse apenas: Bem, eu isso não posso aceitar. Nenhum partido político se pode comprometer sobre que candidato vai apoiar daqui a cinco anos”.

“A conversa acabou ali, sempre em termos cordiais. Era a quarta vez (depois de Sá carneiro, Balsemão, Cavaco, e agora Barroso) que eu era desejado para presidente da República pelo líder de um grande partido ou por um primeiro-ministro. Não seria o último desafio para um tal cargo”.

E o convite seguinte veio de José Sócrates, de quem foi ministro dos Negócios Estrangeiros entre 2005 e 2006. A abordagem foi feita inicialmente por António Braga, o seu então secretário de Estado das Comunidades Portuguesas e “amigo pessoal” de José Sócrates. “O Senhor Professor é que dava um grande candidato presidencial. E com o apoio do PS, que obteve sozinho 45% dos votos nas legislativas, ganhava de certeza à primeira volta!”, disse António Braga.

“Nada está mais longe do meu espírito do que uma aventura dessas”, respondeu-lhe.

Passados 15 dias, o semanário Expresso publicou um artigo de opinião com o título “O PS entre Alegre e Freitas”.

“Fiquei completamente surpreendido. A hipótese da minha candidatura com o apoio oficial do PS nunca surgira em nenhum órgão de comunicação social. Portanto, aquele artigo - e, sobretudo, aquele cabeçalho - só podiam ser o resultado de uma conversa do primeiro-ministro com o director do jornal”, argumenta.

“José Sócrates, com alguma ingenuidade, ficou à espera das reacções. Mas estas não foram as que ele esperava: eu mantive-me em silêncio; Manuel Alegre confirmou a intenção de avançar; e, para grande surpresa de muitos, Mário Soares anunciou também a vontade de se candidatar. Apesar dos seus quase 80 anos, aí estava o “regresso do velho leão”. Interpretei a decisão dele como um último ato de fidelidade ao PS, que fundara: entre um socialista de esquerda e um democrata-cristão do centro (ou, para ele, da direita), o PS tinha de apresentar um candidato genuinamente socialista. Era ele.”

Mário Soares viria a ter o apoio do PS, mas acabaria por ficar atrás da candidatura independente do também socialista Manuel Alegre nas eleições ganhas por Cavaco Silva em 2006.

No terceiro volume das memórias, Freitas do Amaral faz também a apreciação do desempenho dos governos liderados por José Sócrates, distinguindo um Sócrates I (2005-2008), em que aponta um “resultado notável” ao nível dos défices orçamentais, do Sócrates II (2009-2011) em que o ex-primeiro-ministro “cedeu à tentação do eleitoralismo feito à custa do Erário Público”, além de ter deixado “descontrolar as finanças públicas” e aumentado “de uma forma descomunal” o défice e a dívida do Estado.

“A rápida caminhada para o precipício estava à vista de todos. Só José Sócrates, confiando demais na sua boa estrela, acreditava num milagre... mas este nunca aconteceu. E Portugal chegou às portas da bancarrota...”, escreve Freitas.

“Ele admitia travar o andamento da economia, sim, mais muito devagar. Porquê? Penso que a razão principal terá sido esta: José Sócrates, um socialista, não quis deixar o seu nome ligado a uma política de austeridade, ainda que temporária, que considerava ser uma política de direita. Nisso não foi um bom discípulo de Mário Soares, que por duas vezes (em 1978 e em 1983-1985), carregou a fundo nos travões e deu a cara pela austeridade que o país exigia, sabendo aliás contê-la dentro dos limites do razoável”, sustentou.

Diogo Freitas do Amaral conclui: “Diferentemente, Sócrates acreditou na sua boa estrela. Mas a roda da fortuna não parou em frente à residência oficial de São Bento, naqueles dois anos fatídicos”.