Bruxelas dá primeiro passo para acção disciplinar contra Itália

Comissão Europeia diz que procedimento por défice excessivo se justifica devido ao valor da dívida, que ascende a 131% do PIB.

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Reuters/Guglielmo Mangiapane

Bruxelas fez vários avisos sobre os problemas das contas públicas italianas, mas o governo de Roma não quis desviar-se do guião. Terá sido, por isso, sem surpresas que viu a Comissão Europeia concluir, esta quarta-feira, que perante o incumprimento das regras do Pacto de Estabilidade e Crescimento, não lhe restava outra alternativa que não recomendar, mais uma vez, a abertura de um procedimento por défice excessivo contra a Itália sustentado no valor da dívida pública, que já se situa nos 132% do Produto Interno Bruto.

“No relatório que publicamos hoje sobre a Itália, com base no artigo 126.3 do Tratado de Funcionamento da União Europeia, concluímos que o critério da dívida não está a ser respeitado e que se justifica a abertura de um procedimento por défice excessivo com base na dívida”, confirmou Valdis Dombrovskis, o vice-presidente da Comissão Europeia que é responsável pelo Euro, na apresentação das recomendações específicas por país do Semestre Europeu.

O artigo em causa refere-se à “evolução da situação orçamental e dominante da dívida pública nos Estados membros, a fim de identificar desvios importantes”. O ponto 3 determina que um Estado membro se encontra em incumprimento das metas definidas em termos do limite do défice ou da dívida, quando o primeiro se situa acima dos 3% do PIB e a segunda ultrapassa os 60% do PIB ou não exibe uma trajectória descendente.

Ora, segundo constatou Bruxelas, o rácio da dívida pública italiana não só excede em mais do dobro o valor de referência, como a sua relação com o PIB está a aumentar em vez de diminuir. No final de 2018, a dívida publica bateu nos 132% do PIB, representando um encargo de 38.400 euros por cada habitante. A média do serviço da dívida, per capita, andava na casa dos mil euros. E em 2019 e 2020 pode crescer para os 135% devido à diferença entre as taxas de juro e o crescimento, que praticamente estagnou no país. 

Com este aumento, a redução do défice orçamental fica comprometida. A Itália devia fazer um esforço de consolidação de 0,6%, mas em 2018 o valor do défice estrutural acabou por aumentar em 0,1%. A previsão para 2019 é que esse indicador continue a deteriorar-se e que em 2020 os números poderão ser ainda piores, com um aumento acentuado do défice, tanto em termos estruturais como nominais, de 3,5% do PIB, muito acima do limiar do tratado.

Para Dombrovskis, a constatação óbvia é que o governo italiano não pode continuar a despender verbas quando não tem qualquer margem orçamental para isso. “Olhando para a economia italiana, já vemos os estragos que resultam de algumas escolhas políticas recentes”, criticou, referindo-se a uma combinação nefasta de quebra do crescimento, subida das taxas de juro e deterioração do clima de confiança, que “agrava o impacto de factores externos, no caso as tensões globais a nível comercial e o abrandamento geral da economia mundial”.

Apesar das palavras duras, Dombrovskis quis deixar “muito claro” que a decisão tomada pelo colégio de comissários esta quarta-feira não significa a abertura de um procedimento por défice excessivo contra a Itália. O relatório da Comissão Europeia é agora remetido ao Comité Económico e Financeiro para que os Estados membros possam pronunciar-se sobre essa recomendação: têm um prazo de duas semanas para formular o seu parecer. 

Como assinalou Dombrosvkis e também o seu colega com a tutela dos Assuntos Económicos e Financeiros, Pierre Moscovici, é ao Conselho que compete a decisão final sobre o avanço de tal procedimento — que a Itália conseguiu evitar, no final de 2018, quando a Comissão, à semelhança do que fez agora, deu o primeiro passo para a instauração de uma acção disciplinar ao país, acusando o Governo de irresponsabilidade na gestão orçamental. 

“No Outono, o nosso diálogo baseava-se em propostas orçamentais que não cumpriam as metas. Mas a nossa decisão agora assenta em dados. Os números mostram que a Itália não cumpriu as metas” distinguiu Moscovici, que mantém a porta aberta para as negociações com as autoridades italianas de forma a evitar que o processo avance e a penalização se torne inevitável (no limite, as sanções financeiras poderão chegar aos 3,5 mil milhões de euros). Como vincou, é Roma que tem mais uma vez de mostrar que o procedimento por défice excessivo pode ser evitado.

Enquanto aguarda pela resposta do governo italiano, Bruxelas “celebrou” o facto de ter conseguido encerrar o último capítulo de medidas forçadas pela crise ao abrigo do Pacto de Estabilidade e Crescimento, com o encerramento do procedimento por défice excessivo relativo a Espanha. “Em 2011, 24 Estados membros estavam abrangidos pela vertente correctiva do Pacto. A revogação do procedimento a Espanha marca o fim de um caminho longo e penoso para a zona euro”, congratulou-se Pierre Moscovici.

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