Política em modo Stranger Things

O Governo aumentou a comparticipação das refeições dos bombeiros depois de uma inspecção ter detectado fraudes. Se não é uma tentativa de comprar a paz com os bombeiros, parece.

1. Há coisas surpreendentes.
No dia 23 Junho de 2017, às 22h39, encontravam-se a combater os fogos em Mação 509 operacionais. Mas as corporações de bombeiros pediram o pagamento à Autoridade Nacional de Protecção Civil de 1184 jantares, mais 675 do que o número de bombeiros no combate às chamas. Esta foi uma das situações detectadas pela Inspecção-geral da Administração Interna, numa auditoria de Fevereiro, que alerta para os “contornos criminais” dos factos com “prejuízo para o Estado português”.

Esta segunda-feira, o Ministério da Administração Interna resolveu... aumentar a comparticipação das refeições de sete para 7,50 euros e alterar a fórmula de cálculo para a comparticipação dos combustíveis. A Liga de Bombeiros, que em Fevereiro reagiu com grande indignação, aplaude agora, claro. Se não é uma tentativa de comprar a paz com os bombeiros a todo o custo, parece.

2. Há coisas por explicar.
A 6 de Junho de 2017, o Diário de Notícias noticiava que uma associação, fundada entre outras pessoas pela directora do Mosteiro dos Jerónimos, explorou durante anos aquele espaço (festas de aniversários e ateliers para crianças) ficando com os lucros dos alugueres, à revelia do Estado. Esta prática foi denunciada em auditoria feita pela Direcção-Geral do Património Cultural à gestão da directora Isabel Almeida, que seguiu depois para o Ministério Público.

O documento motivou a abertura de uma investigação no Departamento de Investigação e Acção Penal de Lisboa. Ao fim de dois anos, porém, o Ministério Público ainda não chegou a nenhuma conclusão: ou os factos não são bem assim e o processo é arquivado ou então constitui arguidos. Durante estes dois anos, a mesma Isabel Almeida foi mantida pelo Governo à frente do Mosteiro dos Jerónimos. Só esta terça-feira foi substituída, quando já completara 65 anos. Passou à reforma, ao fim de 35 anos à frente daquela instituição. Mas, afinal, o Estado foi enganado ou não?

3. Há coisas esquecidas.
O polémico SIRESP foi adjudicado em 2005 pelo Governo de Pedro Santana Lopes, através dos ministros da Administração Interna, Daniel Sanches, e das Finanças, Bagão Félix, três dias depois das eleições de que saiu vencedor o PS. Ou seja, a 23 de Fevereiro de 2005. Foi um acto praticado quando o Governo estava em gestão. Bagão Félix chegou a levantar dúvidas sobre se tal acto tinha carácter de urgência suficiente para poder ser praticado por um Governo de gestão, tendo recebido um parecer verbal favorável do então auditor jurídico do Ministério da Administração Interna.

Quando tomou posse, o ministro da Administração Interna que se seguiu, António Costa, solicitou um parecer formal sobre esta questão ao Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República que concluiu que não se estava perante um caso de “urgência concreta e datada, traduzida na premência de praticar um certo acto, cujo adiamento comprometeria gravemente a realização do interesse público”. O Governo de então chegou a anular a adjudicação deste concurso, mas, após renegociação, voltou a adjudicá-lo ao consórcio vencedor. A memória é sempre útil.

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