“Somos encorajados a preocupar-nos com as nossas aparências, dietas, status, popularidade”

O Mundo à Beira de Um Ataque de Nervos é o mais recente livro do escritor britânico Matt Haig. O impacto da Internet e do ritmo acelerado em que vivemos na saúde mental deu o mote para o livro e para as perguntas que lhe fizemos.

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Escrevia Matt Haig no arranque de Razões para Viver, em que relata de forma leve e bem-humorada a crise profunda de ansiedade e depressão em que mergulhou em 1999, quando tinha apenas 24 anos: “Lembro-me do dia em que o meu velho eu morreu.” Em 2015, o escritor britânico já tinha mais de uma dezena de títulos publicados, como os romances A Família Radley e Os Humanos, mas foi o livro de não-ficção que o transportou para as luzes da ribalta: esteve entre os dez mais vendidos do Reino Unido durante 46 semanas e chegou ao topo da tabela.

Depois de, nos últimos anos, se ter dedicado à ficção para crianças – Um Rapaz Chamado Natal, editado em 2016, foi traduzido em mais de 25 idiomas e está a ser adaptado ao cinema –, e para adultos, Matt Haig regressa à não-ficção com O Mundo à Beira de Um Ataque de Nervos. Tal como o seu antecessor do género, foi editado pela Porto Editora. Desta vez, o escritor volta-se de “dentro para fora” para explorar o impacto do caos tecnológico e do ritmo acelerado que caracterizam a vida moderna na deterioração da saúde mental. Partindo da ideia de “uma mente stressada num mundo stressado”, Matt Haig aborda temas como a Internet como motor de conexão e desconexão, o excesso de informação que recebemos diariamente ou as inseguranças cultivadas pela cultura capitalista. Recentemente, o escritor andou em digressão pelo Reino Unido com o novo livro, mas fez questão de parar para responder às perguntas do PÚBLICO, por escrito.

Este livro é uma espécie de sequela de Razões para Viver, que focava uma crise pessoal de ansiedade e depressão. Em que altura deu conta do impacto que o mundo externo tinha na sua saúde mental?
Em 2015 e 2016 passava demasiado tempo na Internet, envolvia-me em discussões desnecessárias com pessoas que não conhecia, trabalhava demasiadas horas por dia, e estava a começar a entrar numa nova crise de depressão e ansiedade.

Trata temas como o excesso de informação, o capitalismo ou as expectativas sociais através do relato de experiências pessoais, dados científicos e um estilo quase de guia. Como é que essa dinâmica pode atrair o leitor da era digital?
Eu acho que escrevo de uma forma que faz com o que o público possa mergulhar nos meus livros por onde lhes apetecer. Podem começar pelo início, meio ou fim. [Durante o processo de escrita], tento não me focar muito no “tipo” de livro que estou a escrever, porque isso é bastante limitador. Apenas me guio por uma série de questões que tenho e divirto-me a explorá-las.

O eixo temático do livro é “a mente stressada num mundo stressado”. De que forma é que o mundo se alimenta dos nossos medos e como podemos combatê-lo?
A economia está dependente da nossa insatisfação. Somos encorajados a preocupar-nos com as nossas aparências, dietas, status, popularidade, da mesma forma que a comunicação social quer que estejamos preocupados e divididos para conseguir obter mais cliques e visualizações. Quanto mais consciência tivermos de que as nossas inseguranças têm causas culturais externas, mais facilmente poderemos fazer-lhes frente.

A sua escrita normalmente faz-se de capítulos pequenos, espaços largos e parágrafos fortes, mas houve quem a caracterizasse como cliché. Como é que encontra o equilíbrio entre a mensagem que quer passar e as palavras que usa?
Não é propriamente um equilíbrio. Não faço esse tipo de compromisso. Para mim, as palavras que têm mais impacto são as mais simples. São palavras como “casa”, “céu” e “amor”. Na cultura do meu país [Inglaterra], a inteligência é muitas vezes vista como sendo equivalente à dificuldade [de compreensão], mas eu acho que também é uma questão de emoção e verdade. Eu escrevo para o meu “eu” mais novo, quando estava doente e precisava de ter o acesso mais directo possível a essa verdade.

Já tinha um corpo de trabalho sólido antes do sucesso de Razões para Viver. Alguma vez sentiu o peso de ser tão aberto sobre a saúde mental?
Sim. Razões para Viver tornou-se o meu livro mais bem-sucedido na altura – um bestseller e em primeiro lugar na tabela – e naturalmente sempre quis ter um livro que fosse tão popular, mas foi uma altura muito difícil porque falava do aspecto mais pessoal e sombrio da minha vida.

Além da saúde mental, fala de questões como as alterações climáticas, o feminismo e a masculinidade tóxica. Sente a necessidade de estar presente no mundo como cidadão e não apenas como escritor?
Há algumas questões que são difíceis de ignorar. O ambientalismo, por exemplo, é uma preocupação de grande proporção e urgência. Além disso, está intimamente relacionado com a saúde mental, porque muitas das coisas que [fazemos que] são más para o planeta são igualmente más para nós.

Boa parte da interacção que mantém com os leitores é online. Quando aborda a masculinidade tóxica – um tema ainda pouco falado –, qual é a reacção que obtém?
Acho que os homens que me seguem online e lêem os meus livros já estão predispostos a ter uma ideia mais ampla de masculinidade. Posto isto, alguns sentem-se, de facto, ameaçados.

A Internet é caótica, mas também pode trazer conforto. É uma questão de fazer uma curadoria dos espaços online e offline que visitamos?
Sim, completamente. E estar atento à forma como [a Internet] nos faz sentir e ao tempo que passamos nela, e se isso nos faz sentir melhor ou pior.

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