Um Rio de ingenuidade ou incompetência política

Nunca pensei que Rio tivesse tanta falta de senso político. Acaba de oferecer de bandeja a vitória nas legislativas a Costa. Se tal já era previsível, é agora inevitável. Se o PS não podia aspirar à maioria absoluta, é agora mais possível, embora me pareça que tal não vai suceder.

Escrevo numa altura em que o sítio do Parlamento não disponibiliza, ainda, a versão votada esta quinta-feira na especialidade pelos partidos de direita e à esquerda do PS. É pena, pois só assim se saberá o pomo da questão: há ou não efeitos orçamentais do aprovado? Claro está que falta ainda a votação final global para que exista um decreto, a ser submetido a promulgação. A imagem da Assembleia sai beliscada pela inocência ou incompetência de, em assunto tão relevante e melindroso politicamente, andarmos a discutir sem acesso ao texto votado.

Mesmo com esta ressalva, nunca pensei que Rio tivesse tanta falta de senso político. Acaba de oferecer de bandeja a vitória nas legislativas a Costa. Se tal já era previsível, é agora inevitável. Se o PS não podia aspirar à maioria absoluta, é agora mais possível, embora me pareça que tal não vai suceder. E se assim for, Costa não terá outro remédio que não seja uma “geringonça 2.0”, mas com os parceiros à esquerda agora mais calmos e colocados no seu sítio.

O PSD demonstra não só total inabilidade política, bem como o CDS, mas uma quase demonstração de aversão a regressar ao poder. A medida é iníqua, sem cuidar aqui da justeza das pretensões dos professores do ensino pré-universitário. Estou à vontade para falar, pois também sou docente, embora do superior, em que, devido ao número muito menos elevado e a uma enorme fragmentação dos colegas, não temos peso na luta sindical. E, repare-se, há muitos colegas do ensino pré-universitário, hoje, a ganharem mais que nós. As tabelas são públicas: um professor na categoria que ocupo, com 19 anos de ensino, licenciatura, mestrado e doutoramento, tarefas lectivas e obrigação de investigar e transmitir o conhecimento, ganha, se estiver em exclusividade, líquidos, cerca de 1900 euros ou, em tempo integral, 1400 euros.

Sei bem que o salário mínimo é a miséria que é, mas convenhamos que para uma classe altamente qualificada, quando falo com colegas de alguns países menos ricos, até aí se ganha mais. Já não aludo aos mais ricos, que se apressam a pagar-nos a refeição quando conhecem a nossa realidade. E nós também não seremos filhos de Deus, como os demais trabalhadores do Estado e do sector privado, os mais penalizados, muitos deles tendo perdido o emprego e sido forçados a emigrar, como tão bem canta Pedro Abrunhosa?

Pois é, mero eleitoralismo, mas do estúpido, pois o PS fica como o partido da responsabilidade, Rio como o tipo-de-boas-contas-para-o-que-lhe-interessa, o CDS como esquizofrénico, uma vez que o seu eleitorado tradicional seria o menos convencido pelas reivindicações dos professores, e o BE, PEV e PCP como congruentes com a irresponsabilidade que defendiam.

Creio que, se necessário, Marcelo travará a crise que só traz dividendos políticos a Costa e perdas para o país. Bastará um veto e o calendário eleitoral, mais as normas constitucionais em sede de prazos para a demissão do Governo e convocação de novas legislativas, para que tudo fique como está. Donde, fogo fátuo, no fim de contas. Mas uma oportunidade incompetente ou ingénua da coligação improvável que Costa não deixou de aproveitar.

As coisas estavam em queda, com um cabeça-de-lista às europeias muito fraco, com quase nenhum ou mesmo nenhum debate sobre a Europa, com cuja campanha conseguiu Costa terminar e com uma vitória para o Parlamento Europeu que se adivinha mais sólida, dado que o eleitorado que pensava mostrar o “cartão amarelo”, repensará agora e jogará pelo seguro. E os votos que os docentes representam não compensam o centro, onde se decidem sempre as eleições, ao menos em Portugal.

Chapeau, Costa, por se poder vitimizar, por passar o problema para Marcelo que terá aqui o seu teste porventura mais duro. Se os meninos se continuarem a portar mal, o Professor terá de os pôr na ordem, vetando a iniciativa, capitalizando ainda mais popularidade e, assim, mantendo a entente Belém-S. Bento. Acalmadas as águas, em Outubro votaremos para o Parlamento, como previsto, e Costa terá um melhor score eleitoral, limitando-se a aproveitar uma oportunidade concedida de bandeja.

A viragem da página da austeridade é um mito urbano, bastando atentar nas cativações de Centeno e, agora, mais um nasce: só o PS garante a responsabilidade, evita nova troika e assume postura de Estado. É obra – da má –, caro Rui Rio!

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