O Brasil perdeu Antunes Filho, nome maior do seu teatro

Figura lendária desde a estreia de Macunaíma, em 1978, o encenador foi um grandes responsáveis pela renovação do teatro brasileiro e formou várias gerações de actores

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Antunes Filho em 2009, numa passagem pelo Porto MANUEL ROBERTO

Era considerado um dos maiores nomes do teatro brasileiro, figura lendária desde que, em 1978, transpôs para o palco Macunaíma, de Mário de Andrade. Agente de mudança, directamente comprometido com a renovação estética e a acção política do meio artístico brasileiro nas décadas de 1960 e 1970, o encenador a quem o jornal Folha de São Paulo chama “o grande mestre da actuação no teatro brasileiro” morreu esta quinta-feira, aos 89 anos, na consequência de um cancro no pulmão.

Nascido em São Paulo a 12 de Dezembro de 1929, filho de imigrantes portugueses, começou por ser estudante de Direito, mas foi na mudança para Artes Dramáticas que encontrou o seu lugar e a sua vocação. O trabalho com o encenador polaco Zbigniew Ziembinski, radicado no Brasil desde a década de 1940, surgiu como encontro determinante. Dizia ter sido formado por ele e “por todos os italianos” (Ruggero Jacobbi, Flaminio Bollini) do Teatro Brasileiro de Comédia, estrutura de que será um dos dissidentes no caminho para afirmar uma identidade brasileira e moderna, marcada pela realidade social do seu país, mas de alcance universal. “É talvez a única [figura do teatro brasileiro] a integrar o restrito grupo internacional de encenadores que vêm renovando, obstinada e inspiradamente, a cena mundial”, defendeu na década de 1980 o influente crítico de teatro polaco-brasileiro Yan Michalski.

Antunes Filho estreou-se como encenador em 1953, com Week-End, de Nöel Coward, iniciando aí um percurso marcado pela recusa daquilo que via como as limitações do teatro comercial. O seu método, responsável pela formação de várias gerações de actores, de que se destacam nomes como Eva Wilma , Raul Cortez ou Paulo Autran, chegou a ser classificado como tirânico. Numa entrevista ao Jornal de São Paulo, Antunes Filho defendeu-se: “Se massacrar é obrigar o actor a estudar, a assumir responsabilidade do momento em que vive, é fazer do actor o senhor dentro do palco e dentro da história em que ele participa, então, nesse sentido, massacro o actor.” Em entrevista ao Ípsilon em 2009, quando trouxe ao Teatro Nacional São João, no Porto, A Falecida Vapt-Vupt, adaptação da tragédia carioca de Nélson Rodrigues, autor que o encenador visitaria regularmente, dizia que a melhor forma de iniciar um actor era fazê-lo “varrer o palco”: “O actor precisa de ter um conhecimento real das coisas para perceber que o teatro não é só estar no palco a receber aplausos”.

Depois de um período de trabalho na televisão, na década de 1950, levando aos telespectadores brasileiros peças como O Processo de Joana D’Arc ou A Herdeira, afastar-se-ia quase em definitivo do pequeno ecrã, pelo qual manifestou o seu desprezo na supracitada entrevista ao Ípsilon – “é moda hoje em dia falar em dramaturgia, mas eu não vejo dramaturgia na TV: vejo conversa”. Dedicar-se-ia então por inteiro ao seu método teatral experimental, esse que teve em Macunaíma o momento decisivo. A criação do Centro de Pesquisas Teatrais, em 1982, surgiria depois como plataforma onde desenvolveu até ao fim as suas ideias e a sua actividade, levando a cena clássicos universais como Macbeth ou Gilgamesh, mas também Xica da Silva, Lamartine Babo, a sua primeira incursão no musical, já aos 80 anos, ou Triste Fim de Policarpo Quaresma (estes dois últimos apresentados em Portugal em 2011).

Homem de esquerda, mas “sobretudo um democrata”, acrescentava, dizia usar “os recursos do teatro para falar das bobagens da sociedade contemporânea”. A sua última encenação, Eu Estava em Minha Casa e Esperava que a Chuva Chegasse, adaptação da peça do francês Jean-Luc Lagarce, estreou-se no final do ano passado. No obituário que lhe dedica esta sexta-feira a Folha de São Paulo, o jornalista Nelson de Sá recorda como na última entrevista, em Setembro, Antunes Filho, tendo como pano de fundo o choque provocado pelo incêndio do Museu Nacional do Rio de Janeiro, afirmava estar a viver-se no Brasil um “momento decisivo”. A nova peça, porém, centrava-se na “esperança”. E a reforma, apesar dos 89 anos, não era uma possibilidade. A morte, quando chegasse, teria de apanhar o encenador em plena actividade.

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