PJ exclui interesses imobiliários como causa de fogo na casa de Garrett

Tudo indica que incêndio teve origem numa intrusão ilegal do imóvel. Vandalismo ou negligência são as hipóteses mais prováveis. Presidente da junta de freguesia pede reflexão sobre crescimento do número de incêndios na cidade

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Frente do edifício, na Rua Dr. Barbosa de Castro, junto ao jardim das Virtudes Manuel Roberto

A Polícia Judiciária (PJ) ainda está a investigar o incêndio que destruiu na madrugada de sábado o interior da casa onde nasceu o escritor Almeida Garrett, no centro do Porto, mas já excluiu que a origem do fogo esteja associada a interesses imobiliários.

Os investigadores da Judiciária voltaram esta segunda-feira à Rua Dr. Barbosa de Castro para fazerem uma análise mais detalhada dos vestígios, mas tudo indica que o fogo teve origem numa intrusão ilegal do imóvel, feita através de uma porta que estava fechada a cadeado. O fogo começou no interior do prédio, que estava devoluto há cerca de dois anos, e não numa habitação vizinha, como se chegou a avançar.

A PJ não tem dúvidas de que o incêndio teve natureza humana, mas admite que tanto pode ter ocorrido num quadro de vandalismo juvenil como resultar da negligência de indigentes ou consumidores de droga que tenham ocupado o imóvel.

Este fogo, diz uma fonte ligada à investigação, insere-se no padrão de incêndios urbanos ocorridos em habitações abandonadas, não havendo razões para suspeitar de qualquer interesse imobiliário. O fogo destruiu totalmente o interior do prédio, o que, para os investigadores, retirou valor patrimonial e financeiro ao imóvel, que ainda mantinha a traça de origem.

A Câmara do Porto garante não ter feito ainda “qualquer proposta” ao proprietário do edifício, embora “mantenha o interesse no imóvel e esteja a decorrer uma avaliação pedida na sequência de reunião pública recente, em que a CDU propôs ali construir um museu do liberalismo”. Isso mesmo garantiu Rui Moreira a Ilda Figueiredo ainda durante o fim-de-semana. “Já falei com o presidente e disse-me que mantinha a mesma posição”, contou a vereadora da CDU.

Se o imóvel entrar no mercado, acrescentou o gabinete de comunicação da autarquia, o município pode “exercer o direito de preferência”. Se isso não acontecer, o executivo “pretende fazer uma proposta de aquisição logo que concluída a avaliação, o que é um preceito legal”.

Há dois anos, o senhorio tinha chegado a acordo com a única moradora do prédio, uma idosa sem familiares próximos que aceitou mudar-se para um lar. A inquilina do rés-do-chão, que ali tinha uma mercearia, aceitou também sair, mudando-se para um dos prédios contíguos. A corrente eléctrica terá sido cortada logo nessa altura. No edifício do lado direito habita apenas um morador, no do lado esquerdo já não há gente.  

Quando a “casa onde nasceu ao 4 de Fevereiro de 1799 João Baptista da Silva Leitão Almeida Garrett” ficou desocupada estava já em avançado estado de degradação, comentam os vizinhos. Segundo a informação recolhida pela Câmara do Porto, do interior “já pouco ou nada restava”, uma vez que “os tectos primitivos estariam já recobertos por placas de platex”. Quem ali entrou tempos antes da última moradora sair confirma o mau estado, mas recorda a existência de algumas pinturas nas paredes, tectos ornamentados e uma série de livros. 

Nas ruas, um grupo de turistas espanhóis pára de olhos postos no edifício enegrecido pelas chamas para ouvir a breve explicação da guia. O perímetro de segurança a anunciar uma área interdita e os inspectores da PJ não passam despercebidos a quem passa. “Parece que já estavam para começar as obras para fazer ali um hostel”, comenta um morador que prefere não ser identificado. “Alguém deve ter ganho com isto”, atira outro, acrescentando em tom de lamento: “Isto de pôr fogo e mandar as pessoas embora virou moda agora...”

Demasiadas “coincidências”

Na Assembleia Municipal desta segunda-feira à noite, António Fonseca pediu aos deputados uma reflexão. “Há muitos anos que o centro histórico tem edifícios devolutos e degradados e não havia incêndios. E, de um momento para o outro, vemos vários incidentes destes, quase sempre à noite e aos fins-de-semana.” Em conversa com o PÚBLICO, o presidente da Junta de Freguesia do Centro Histórico do Porto sublinhou não querer entrar em teorias da conspiração, mas pediu uma “atenção especial” da autarquia para estas “coincidências”.

É que, na sua freguesia, o “clima de insegurança” entre os moradores é crescente. E a pressão imobiliária é incontestável. Só nos últimos 15 dias, os assistentes sociais daquela geografia souberam dos casos de mais quatro famílias a enfrentarem cessações de contratos. Na reunião anterior, duas semanas antes, tinham sido seis. “Os senhorios não estão a renovar os contratos e isto é um problema”, disse, deixando um apelo à Assembleia da República: “Esta luta precisa de nova legislação.”

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