A moção do CDS que o PSD aplaude de mãos nos bolsos

No debate da moção de censura, Assunção Cristas vai confrontar o primeiro-ministro com “falhas” que os sociais-democratas também têm apontado. Mesmo a contragosto, PSD terá de votar a favor do que ele próprio tem dito. A esquerda vai unir-se no chumbo à moção, uma imagem que o CDS também deseja que fique na memória.

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ANTÓNIO PEDRO SANTOS/LUSA

Para o CDS-PP a moção de censura tem valor político como arma de oposição ao Governo. Para o PSD de Rui Rio, a moção (vinda de um partido mais pequeno do espaço político do centro-direita) é quase uma formalidade. Esta dissonância na forma como os dois partidos do centro-direita encaram este instrumento parlamentar não transparece nos temas com que PSD e CDS têm confrontado o primeiro-ministro: saúde, transportes, carga fiscal, segurança e estratégia de crescimento económico. Há temas em que os dois partidos convergem bastante, embora Rui Rio e Assunção Cristas divirjam muito quanto ao estilo e o modo de fazer oposição ao Governo. A iniciativa política do CDS obrigou o PSD a assumir uma posição contra o Governo, depois da aproximação de Rui Rio ao PS. 

Com a moção de censura, o CDS provoca não só o PSD, mas também os partidos parceiros do PS. “É uma clarificação à esquerda”, sustentou na RTP3 Diogo Feio, director do gabinete de estudos do CDS-PP, considerando que, “desta vez, quem quiser votar naqueles partidos já não vai enganado”.

Rui Rio optou por desvalorizar a iniciativa do CDS e prometeu apenas repetir as críticas já feitas ao Governo, dando um sinal de que o PSD vai fazer um debate de serviços mínimos. Mas no partido há quem defenda que se deve aproveitar a oportunidade para afirmar o PSD como alternativa ao PS. No Parlamento esse debate interno não será feito, já que o líder parlamentar, Fernando Negrão, teve que cancelar, em menos de 24 horas, a reunião da bancada desta terça-feira por “impossibilidade” de “muitos” deputados de comparecerem. Os sociais-democratas não tinham previsto deslocar-se ontem à Assembleia da República, já que nos últimos dois dias não houve trabalhos parlamentares por causa das jornadas do PCP, que decorreram em Braga.

No arranque do debate desta quarta-feira, Assunção Cristas prepara-se para sublinhar a “oportunidade perdida” por parte do Governo, por não ter aproveitado uma melhor conjuntura económica”, e acusar o executivo de “falhar”. A líder do CDS reclama “eleições já”, para pôr fim a um Governo que se tornou numa “direcção de campanha eleitoral”. Ao longo das mais de duas horas e meia de debate, a bancada do CDS deverá percorrer as áreas em que tem criticado o Governo e que não divergem muito do que tem sido apontado pelo PSD:

 Saúde

Assunção Cristas diz que é a situação “mais gritante”, Rui Rio afirma que é o “exemplo mais paradigmático ao nível da degradação dos serviços públicos”. O tema não tem faltado nos debates quinzenais quer pela voz da líder do CDS quer pela boca de Fernando Negrão, que lidera a bancada social-democrata. À margem do Parlamento e ainda antes de a contestação dos enfermeiros se ter agudizado, Rui Rio e Assunção Cristas cumpriram uma agenda de visitas a unidades de saúde e audiências a agentes do sector. Ainda este fim-de-semana, na convenção do Conselho Estratégico Nacional, o líder do PSD apontou: “Hoje no SNS falta quase tudo: recursos humanos, manutenção, investimento e, acima de tudo, critérios de gestão eficazes”. A ruptura entre a ADSE (subsistema de saúde dos funcionários públicos) e os hospitais privados acabou por ser um tema privilegiado pelos dois partidos.

Transportes

Numa acção sem paralelo neste PSD de Rui Rio, Assunção Cristas pôs os dirigentes centristas a viajar de comboio por todo o país, para provar o desinvestimento na ferrovia. Tem sido um tema da agenda da líder do CDS, mas também presente nos discursos de Rui Rio, que vem insistindo no “abandono” do sector por parte do actual Governo e criticando a deterioração na qualidade do serviço prestado pela TAP, sobretudo nas regiões autónomas.

Carga fiscal

O CDS-PP fez da sobretaxa aplicada aos combustíveis uma das suas bandeiras em 2018, embora também criticasse a opção do Governo de carregar nos impostos indirectos. Rui Rio até discordou de um projecto dos centristas sobre a neutralidade fiscal dos combustíveis, mas tem condenado o aumento da carga fiscal. E considerou o discurso do Governo “enganador”, quando o executivo baixou o imposto da gasolina mas logo a seguir aumentou a taxa de carbono. No sábado passado, o líder do PSD falou de uma Autoridade Tributária “cada vez mais intrusiva”, em que “já só falta o cidadão deixar o funcionário do fisco dormir lá em casa para melhor lhe vasculhar os armários, as gavetas e, se necessário for, os próprios bolsos”. Tanto o PSD como o CDS insistiram na divulgação da identidade dos grandes devedores da banca. 

Segurança

A falha na segurança proporcionada às populações, neste caso da protecção civil, durante os incêndios de 2017 já tinha motivado a anterior moção de censura do CDS. Ainda que noutro plano, o roubo nos paióis de Tancos veio somar-se às queixas de Assunção Cristas mas também de Rui Rio, que diz continuar a “aguardar” por uma explicação completa sobre o caso.

Economia

A falta de uma estratégia para um crescimento sustentado já era um dos pilares do discurso do anterior líder do PSD, Passos Coelho, e manteve-se na agenda de Rui Rio. A falta de reformas estruturais tem sido uma crítica recorrente do PSD, que justifica a opção do Governo com a necessidade de o primeiro-ministro satisfazer os parceiros da esquerda e de, assim, manter o seu apoio parlamentar. A “oportunidade perdida” para o crescimento e para as reformas é precisamente outro dos argumentos que Assunção Cristas apresenta nesta moção de censura ao Governo.

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