Investigador que perdeu trabalho no metro do Porto apela ao espírito natalício

Hervé Baudry estava de passagem pelo Porto e o seu destino era uma conferência em França. Pelo caminho perdeu a mochila que continha as notas escritas à mão do trabalho que estava a desenvolver sobre a comunidade judaica em Portugal.

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O investigador Hervé Baudry MIGUEL MANSO

Hervé Baudry, um investigador da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa (FCSH-UNL), maioritariamente das áreas da história da censura e dos novos judeus portugueses, perdeu grande parte da investigação que estava a desenvolver sobre a da Comunidade Israelita do Porto e o seu fundador, Artur Barros Basto (1887-1961). 

“Aconteceu em dois minutos. Tenho 99% de certeza de que deixei a mochila no cais da estação de metro do Campo 24 de Agosto e só quando entrei no metro e as portas fecharam é que reparei que não tinha a mochila comigo. Quando regressei a correr vindo do Bolhão já não estava lá nada”, conta o investigador.

Hervé Baudry chegou ao Porto na manhã de 6 de Dezembro vindo de Lisboa. Depois de sair da estação de Campanhã, dirigiu-se para a zona do Campo 24 de Agosto onde ia buscar exames a uma clínica médica. Depois, tencionava ir de metro até ao Aeroporto Francisco Sá Carneiro para apanhar um voo para uma conferência em França. 

Na mochila que perdeu, o investigador tinha livros de pesquisa para o artigo que estava a escrever, o seu computador que tem teclado francês, o disco externo com as cópias do que já tinha transcrito para formato digital, óculos graduados e todas as notas escritas à mão que seriam a base para o artigo e que são irrecuperáveis.

O investigador afirma que foi no metro que perdeu a sua mochila e não em algum local por onde passou até lá. “Fui à clínica e meti os exames na mochila e segui para o metro. Quando comprei o [bilhete] Andante também me lembro que tirei o cartão dessa mochila e não do trolley que também trazia comigo.”

Hervé Baudry ainda é daqueles que trabalha à moda antiga. “Durante toda a pesquisa, as notas que tiro são à mão e só depois em casa é que as passo para o computador com calma, e essa parte ainda não tinha começado. Os artigos, nomeadamente as publicações de Artur Barros Basto num jornal, estão todos digitalizados, mas as notas escritas com nomes, datas, locais, estão perdidas.”

O primeiro passo do investigador foi ligar para os perdidos e achados do Metro do Porto, mas sem grandes resultados. O segundo foi colocar um anúncio nos classificados do Jornal de Notícias, na esperança de que mesmo que o computador tivesse sido roubado as notas pudessem ser devolvidas. Aliás, foi por causa desse anúncio que o caso ganhou a atenção dos meios de comunicação social, incluindo do Jornal de Notícias, que noticiou a história.

Contudo, até esta sexta-feira, cinco dias depois do anúncio, Hervé Baudry recebeu apenas uma chamada de alguém que dizia ter encontrado uma mochila na estação do Bolhão. “Um caso cheio de coincidências mas, infelizmente, não era a minha mochila.” O investigador só espera que este seja “um conto de Natal com um final feliz” e pede a todos que saibam de alguma informação sobre o paradeiro da mochila que o contactem ou que lhe enviem as suas folhas, caso as tenham, para o endereço da FCSH-UNL.

“A alma do renascimento do judaísmo em Portugal” 

Hervé Baudry nasceu em França e veio para Portugal no início da década de 80; desde então que vive entre Lisboa, Porto e Coimbra. Leccionou francês e literatura francesa na Universidade de Coimbra, mas desde 2008 que se dedica unicamente à investigação, nomeadamente à construção da primeira sistematização da censura de livros médicos pela Inquisição em Portugal, um projecto a que chamou “​biblioteca limpa”​.

Pouco depois interessou-se pela vida de Artur Barros Basto e pelo seu papel na construção da comunidade judaica no Norte do país. “​Descobri a história dele logo quando cheguei a Portugal porque comprei um livro chamado Sous le charme du Portugal, de Lily Jean-Javal, que retrata a viagem de uma francesa pelo Norte de Portugal”​ e que mencionava brevemente a vida de Barros Basto.

“Esse meu artigo era sobre esse militar que foi a alma, o artesão e o motor do renascimento do judaísmo em Portugal no século XX e que acabou por ser um homem um bocadinho esquecido na história portuguesa”, conta o investigador.

Artur Barros Basto foi um tenente do Exército português. Logo no início dos anos 20 converteu-se à religião judaica por causa dos seus antepassados que eram judeus. Quando foi viver para o Porto, apercebeu-se de que a comunidade da qual agora fazia parte não estava organizada nem tinha um local de culto. Tomou então a iniciativa de registar oficialmente junto do Governo Civil do Porto a Comunidade Israelita do Porto e o Centro Teológico Israelita e foi pelo seu impulso que existe hoje a Sinagoga do Porto.

“Nos anos 30 foi acusado de actos desonestos e foi expulso do Exército, mas a sua luta não terminou. Chamaram-lhe líder dos Judeus do Norte e durante a Segunda Guerra Mundial ajudou centenas judeus a fugir ao Holocausto. O trabalho que eu estava a desenvolver era para perceber como é que ele é descrito pelas pessoas de fora e visto pelo olhar estrangeiro”, afirma o investigador.

Desse trabalho só restam agora algumas páginas que Hervé Baudry utilizou para fazer uma apresentação sobre o tema na conferência “​Os judeus de Portugal e a diáspora luso-espanhola, que teve lugar em Lisboa e no Porto no fim de Junho e início de Julho e que, segundo o investigador, não são “cientificamente publicáveis” ou suficientes para que consiga terminar o artigo que lhe tinha sido encomendado por uma revista científica portuguesa.

Ao longo dos anos, Hervé Baudry foi recebendo bolsas que sustentam os seus trabalhos por parte de várias instituições como o programa Investigador FCT e o concurso Estímulo ao Emprego Científico, ambos financiados pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT). Este ano, foi-lhe atribuída uma bolsa individual Marie Skłodowska-Curie pelo projecto Early Modern Book in Portugal.

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