Um país a cair aos bocados

Eu consigo encontrar uma trotinete por GPS nas ruas de Lisboa e não consigo encontrar um helicóptero do INEM – repito: do INEM! – que cai em Valongo? Está tudo doido?

Tragédias sempre houve, sempre haverá, e muitas delas não têm forma de ser evitadas. Por vezes, exageramos na obsessão com que procuramos culpados para acidentes impossíveis de prever ou que resultam da imprudência das vítimas. Se um banhista morre debaixo de uma falésia devidamente assinalada como correndo risco de derrocada, a culpa não é do Estado – a culpa é do banhista, porque é impossível monitorizar durante 24 horas todas as falésias do país.

Contudo, aquilo que tem vindo a acontecer nos últimos anos não é isso; não são meras manifestações de azar ou conjugações astrais infelizes – é mesmo uma tremenda sucessão de pequenas e grandes tragédias que radicam tanto numa profunda incompetência do Estado, como numa escandalosa falta de coordenação de meios e de instituições que existem para proteger os cidadãos. Há muito, muito tempo que não tínhamos esta sensação de um país a cair aos bocados, onde a rede de segurança estatal que é suposto preservar a nossa existência física tem mais buracos do que uma renda de Bilros.

Portugal terá sempre fogos de dimensão devastadora. Mas nada, a não ser a incompetência do Estado, justifica que 47 pessoas morram queimadas numa estrada nacional. Roubos de armas sempre haverá. Mas nada, a não ser a incompetência do Estado, justifica essa verdadeira palhaçada, onde já não se percebe quem engana e quem é enganado, a que chamamos “roubo de Tancos”. Carros sempre cairão em ravinas. Mas nada, a não ser a incompetência do Estado, justifica que uma estrada como a de Borba tenha continuado aberta ao trânsito após tantos alertas para o perigo de derrocada. Um helicóptero do INEM poderá sempre cair devido ao mau tempo, a uma falha do aparelho ou a um erro do piloto. Mas nada, a não ser a incompetência do Estado, pode explicar que o helicóptero só tenha sido encontrado seis horas após a queda, e durante duas horas toda a gente tenha andado aos papéis. É certo que as quatro vítimas terão morrido no impacto com o solo e nada havia a fazer por elas. Mas, acaso houvesse, a ajuda teria chegado demasiado tarde.

Tragédias sempre houve, sempre haverá, e muitas delas não têm forma de ser evitadas. Mas não me recordo desta colecção de incompetências, erros absurdos, redes que não funcionam, telefones não atendidos, organizações que não comunicam entre si, coordenadores descoordenados, guerrinhas entre corporações (veja-se o entusiasmo com que Jaime Marta Soares se atirou logo à Autoridade Nacional de Protecção Civil), mais os inquéritos que servem para atrasar respostas e o assumir das responsabilidades. Como é possível nós vivermos num país em que um helicóptero do INEM parece não ter um sistema decente de localização?

Eu consigo encontrar uma trotinete por GPS nas ruas de Lisboa e não consigo encontrar um helicóptero do INEM – repito: do INEM! – que cai em Valongo? Está tudo doido? O 112 recebe uma chamada de um popular a dizer que viu as luzes de um helicóptero apagaram-se e um grande estrondo, e a única coisa que o 112 faz é pedir à polícia para ir ver? A NAV anda desesperadamente a telefonar para todo o lado, a dizer que o helicóptero deixou de comunicar, e não há quem levante o auscultador? Quantas tragédias mais serão necessárias para o Estado acordar de vez, correr com os boys que pululam (e poluem) as estruturas de organizações essenciais e colocar os melhores profissionais à frente dessas instituições? Eu sempre pensei que vivia num país do Primeiro Mundo. É possível que esteja enganado.

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