As regras orçamentais europeias chocam com França e Itália

Há que encontrar novas formas de governança na zona euro e analisar porque funcionam mal as instituições europeias em situação de crise.

O presidente Macron, na passada segunda-feira, em resposta aos protestos dos “coletes amarelos”, anunciou medidas que, segundo o Governo francês, resultarão num aumento da despesa entre 8 e 10 mil milhões de euros. A que acrescem cerca de 4 mil milhões de euros de receita “perdida” devido à suspensão e posterior cancelamento do aumento dos impostos sobre os combustíveis que, como se sabe, desencadeou este amplo movimento de protesto.

Note-se que a proposta de Orçamento de 2019 de França previa um défice de 2,8% do PIB. Mas as estimativas de crescimento económico foram entretanto revistas em baixa, pelo que agora se prevê que o défice venha a superar novamente os 3% do PIB, podendo mesmo atingir os 3,4% do PIB.

Note-se ainda que as propostas de França contrastam com o processo orçamental em Itália que, na sequência das exigências da Comissão Europeia, reviu o défice para 2019 em baixa de 2,4% para 2,04% do PIB, o que não deixa de ser irónico.

O Tratado Orçamental Europeu não sobreviveu ao teste do tempo

Na realidade, estes são os primeiros grandes testes ao Tratado ou Pacto Orçamental Europeu e às regras complementares implementadas a partir de 2012, nem cinco anos decorridos após a sua entrada em vigor a 1 de Janeiro de 2013 e num contexto macroeconómico extremamente favorável.

Imagine-se o impacto destas regras orçamentais num contexto macroeconómico desfavorável!

Os casos mais recentes, em grandes economias da Zona Euro, sinalizam que as novas regras orçamentais europeias são míopes e que terão de ser alteradas.

Evidentemente, no contexto de convulsões sociais profundas em Itália e em França, as autoridades europeias terão de ser capazes de alterar o rumo para evitar chocar com esses dois gigantes icebergues.

É ainda de salientar que a proposta de integração do Tratado Orçamental na legislação europeia foi chumbado na Comissão de Assuntos Económicos e Monetários do Parlamento Europeu, com um voto de 25 contra 25.

Também a União Bancária parece não sobreviver ao teste do tempo

É caso, aliás, para se dizer que a crise do euro foi muito má conselheira.

Na Alemanha, o Governo alemão está a contemplar alterar leis, nomeadamente leis fiscais, de forma a facilitar a fusão do Deutsche Bank com o Commerzbank, na sequência de uma continuada descida do preço das acções do Deutsche Bank e do envolvimento deste banco em mais um escândalo, transferências bancárias ligadas à alegada “lavagem” de 200 mil milhões de euros na Estónia pelo Danske Bank.

Em teoria, se necessário, deveria ser aplicada uma medida de resolução bancária ao Deutsche Bank, mas parece que as regras só se aplicam às “cobaias”, i.e., aos pequenos países e pequenos bancos.

O Estado alemão é accionista do Commerzbank e, por via dessa fusão, passaria a ser accionista do Deutsche Bank, a um preço favorável porque o preço das acções do Deutsche Bank caíram muito em relação às do Commerzbank. Assim, posteriormente, poderia, como accionista, participar num aumento de capital do novo Deutsche Bank-Commerzbank, sendo o Deutsche Bank desta forma parcialmente nacionalizado e salvo da aplicação de uma medida de resolução. O interesse nacional sempre primeiro. E, neste caso, bem!

Reformas da Zona Euro: Um enorme desperdício de tempo, de recursos, de esperança?

As autoridades europeias e nacionais investiram enormes recursos em reformas das regras orçamentais e das regras de supervisão bancária que, já se constata, não servem e criam mais problemas do que resolvem. Há que encontrar novas formas de governança na zona euro e analisar porque funcionam mal as instituições europeias em situação de crise.

É necessário saber aprender com os erros que se cometem. Afigura-se que o problema é que a governança da zona euro ainda se parece demasiado com a intriga e os virulentos combates de poderosos das antigas cortes imperiais. O poder, na zona euro, está na mão de muito poucos “príncipes e princesas ". Será que aprenderão a lição?

A propósito de lições, ainda o caso do pagamento ao FMI

Como revelado por mais um artigo de Sérgio Aníbal no Público a 13 de Dezembro, o Governo fez um acordo com os credores europeus do sector oficial. Estes impuseram cinco condições antes da autorização dos pagamentos ao FMI, duas das quais – manutenção de maturidade residual média da dívida de 6,5 anos, excluindo dívida à UE, e manutenção de almofada financeira de 40% das necessidades de financiamento de médio e longo prazo nos próximos 12 meses – com significativas implicações para o erário público se se perpetuarem no tempo.

O acordo foi feito, de forma secreta, à revelia do Parlamento português, e formalizado com o pedido e as respostas a esse pedido, no mesmo dia, 24 de Outubro do corrente ano, pelo Ministério das Finanças de Portugal, Comissão Europeia, BCE, Mecanismo Europeu de Estabilidade (e Fundo Europeu de Estabilização Financeira), tendo sido aprovado pelo Parlamento alemão a 19 de Novembro de 2018, antes de ser anunciado pelo Primeiro Ministro no Parlamento português.

Quais as implicações e os ensinamentos deste episódio?

As autoridades europeias e um parlamento de outro estado membro definiram as condições de gestão da dívida pública de um estado membro, Portugal. Ou seja, vai-se para além do Pacto de Estabilidade e Crescimento e do Tratado Orçamental (limites ao défice público e ao stock de dívida pública) e começam-se a impor restrições à maturidade da dívida, à dimensão da almofada financeira e às características das emissões de dívida pública.

O que no mundo anglo-saxónico se designa por uma “slippery slope” (uma rampa escorregadia com consequências potencialmente negativas)…

As condições negociadas com as autoridades europeias implicam custos para o erário público que dependem da duração dos compromissos assumidos pelo Governo de Portugal, particularmente, em relação à manutenção da maturidade residual média da dívida em 6,5 anos.

A linguagem utilizada nos documentos oficiais disponíveis no website do Parlamento da Alemanha parece sugerir que o Governo somente estaria obrigado a cumprir essas condições imediatamente antes do pagamento ao FMI, que ocorreu a semana passada. Seria importante que o Ministério das Finanças de Portugal confirmasse que não se vinculou a cumprir essas condições também no futuro.

Somente assim se poderá avaliar se foi positiva a amortização antecipada da dívida ao FMI.

Sugerir correcção
Ler 6 comentários