Mesmo com a medicina actual, Robert F. Kennedy não sobreviveria aos tiros

Passados 50 anos do assassinato de Robert F. Kennedy, uma equipa de cientistas voltou a analisar as lesões deixadas pelos tiros e as técnicas médicas usadas antes, durante e depois da cirurgia. Hoje seriam as mesmas?

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Representação artística das lesões de Robert F. Kennedy Megan Llewellyn, MSMI/Universidade de Duke/Creative Commons

Madrugada de 5 de Junho de 1968. Depois de ganhar as eleições primárias presidenciais do Partido Democrata na Califórnia (EUA), Robert F. Kennedy é atingido por três tiros num hotel em Los Angeles. Após 26 horas a lutar pela vida, o então senador por Nova Iorque com 42 anos acaba por morrer. Agora, 50 anos depois do seu assassinato, uma equipa de cientistas dos EUA publica na revista científica Journal of Neurosurgery aquela que afirma ser a primeira análise médica às lesões de Robert F. Kennedy e à cirurgia a que foi sujeito. E coloca-se a questão: com a medicina actual, o senador conseguiria sobreviver aos tiros? A equipa defende que, mesmo com novas técnicas médicas, as lesões seriam fatais.

Como Junho marca os 50 anos da morte de Robert Kennedy, quatro cientistas da Universidade de Duke aproveitaram a data para acrescentar um novo (e mais pormenorizado) relato do assassinato do senador à história da medicina. Tudo surgiu porque Theodore Pappas, professor de cirurgia geral, começou a fazer uma revisão do assassinato de Robert Kennedy do ponto de vista da neurocirurgia. “ [O professor] já tem escrito sobre outros acontecimentos importantes da história da cirurgia”, conta-nos Jordan Komisarow, um dos autores do trabalho. “Tive muita sorte em ter a oportunidade de me envolver no projecto e dar uma ajuda na análise.” Afinal, como se frisa no artigo científico: “Embora esta história já tenha sido repetida na imprensa e recontada em inúmeros livros, esta é a primeira análise das lesões do senador e dos cuidados cirúrgicos subsequentes a ser apresentada na literatura médica.”

Para reconstituir o assassinato, a equipa analisou os relatórios das testemunhas oculares, dos cuidados médicos antes da cirurgia, do percurso clínico e da autópsia.

Recuemos então a 5 de Junho de 1968. Após ter vencido as eleições primárias do seu partido na Califórnia, Robert Kennedy dirigiu-se com os seus apoiantes para o hotel Ambassador de Los Angeles. “Depois de o senador Kennedy discursar, o plano era que o candidato caminhasse através da cozinha do hotel até à Sala Colonial, onde os membros da imprensa o esperavam”, conta-se no artigo. Contudo, o plano não se cumpriu: já depois da meia-noite, enquanto caminhava pela cozinha, Robert Kennedy foi atingido por três tiros (um deles seria fatal). O autor dos disparos foi Sirhan Sirhan, um palestiniano cristão enraivecido por o senador ter mostrado o seu apoio a Israel.

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Robert F. Kennedy Biblioteca JFK/Discovery Channel

Logo a seguir aos disparos, vários médicos – que estavam no hotel – prestaram assistência ao senador. Por exemplo, nesse momento, o radiologista Stanley Abo reparou que Robert Kennedy tinha ficado inconsciente, analisou a ferida na cabeça e observou que estava a formar um pequeno coágulo na região onde uma das balas tinha entrado. “Abo presumiu que o sangue estava a acumular-se na cabeça de Kennedy e pôs o dedo no buraco para desfazer o coágulo”, refere-se no artigo. Com esta acção, Robert Kennedy ficou consciente por um breve período de tempo.

O senador acabou por chegar ao hospital onde foi operado 45 minutos depois de ter sido alvejado (antes ainda passou por outro hospital). A cirurgia – uma craniotomia, que é uma abertura temporária do crânio – começou quase três horas depois do sucedido. Os neurocirurgiões observaram então que Robert Kennedy tinha grandes lesões no cerebelo, no lobo occipital e que fragmentos de bala e de osso ficaram alojados no tecido do cérebro. Depois da operação, que durou quase quatro horas, vários especialistas em todo o país ainda foram contactados e disseram quase todos o mesmo: o desfecho neurológico do senador seria trágico. Nas primeiras horas do pós-operatório, Robert Kennedy ainda esteve relativamente estável, mas 12 horas depois da craniotomia piorou e acabou por morrer.    

Cirurgia actual versus a de 1968

Ao analisarem todo este historial, a equipa do recente trabalho defende que os neurocirurgiões actuaram conforme as práticas médicas da altura e refere que a craniotomia feita em 1968 seria semelhante às que são feitas actualmente. “Uma tentativa mais agressiva ainda foi levada a cabo para salvar [o senador], mas o resultado, devido à sua grave lesão na cabeça, não foi o esperado”, escrevem num comunicado da Journal of Neurosurgery.

Contudo, a equipa ainda destaca algumas melhorias na medicina actual relativamente aos anos 60. Por exemplo, certos exames de diagnóstico, como a tomografia computorizada (apareceu nos anos 70), ainda não estavam disponíveis. Alguns exames e medicamentos usados no pós-operatório também foram mudando ao longo dos anos. “Embora houvesse algumas intervenções feitas no tempo da lesão que não poderiam ser realizadas hoje, como o uso de esteróides, elas estavam de acordo com os cuidados médicos da altura”, considera Jordan Komisarow.

E conseguiria Robert Kennedy sobreviver com a medicina actual? “Infelizmente, os ferimentos da bala na cabeça continuam a apresentar uma elevada taxa de mortalidade. Com base na nossa investigação e do conhecimento das lesões do senador, achamos que hoje a lesão ainda seria fatal ou severamente debilitante”, responde Jordan Komisarow, reforçando que foram feitos grandes esforços para salvar Robert Kennedy na altura. “Apesar dos numerosos avanços nas técnicas de cirurgia, imagem e anestesia nos últimos 50 anos, os danos no tronco cerebral e nos seus vasos sanguíneos [observados no senador] continuam a ser lesões devastadoras e catastróficas”, diz por sua vez Shivanand Lad, também autor do trabalho.

Muito se tem especulado sobre o assassinato de Robert Kennedy, assim como o de Martin Luther King Jr., que aconteceu dois meses antes, e o do presidente John F. Kennedy (irmão de Robert Kennedy), quase cinco anos antes. Afinal, todos deixaram uma questão em aberto: o que poderiam ter feito pelos Estados Unidos se não tivessem sido assassinados?  

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