Resposta a Alfredo Barroso e a um antigo deputado

Alfredo Barroso, o guru do Facebook, que nunca saiu de Portugal por não conseguir andar de avião, quer impor a lei da rolha, à boa maneira salazarista e estalinista.

1. Na resposta de Alfredo Barroso de 26 de Maio no PÚBLICO a um artigo meu de 21 do mesmo mês, que o interpelava sobre a política que o PS de Mário Soares seguiu durante o período revolucionário do 25 de Abril de 1974, há várias afirmações que revelam a sua grosseria e falta de carácter, que não lhe admito. Tenta insinuar que sou um impostor, que nunca andei no Colégio Moderno e que me aproximei dele porque se julga uma importante personalidade. Na verdade, há meia dúzia de anos estava a tomar café num centro comercial em Lisboa quando ele se sentou numa mesa ao lado. Sendo na altura uma figura mediática, pois participava frequentemente nuns debates de meia-hora na SIC Notícias, onde se tornou conhecido como o Senhor Alfredo e acabou por ser despedido devido à sua bem conhecida má criação, estranho seria se não o abordasse dizendo que tinha sido seu colega na Instrução Primária. Mais tarde trocámos emails e começou a mandar-me diariamente um resumo dos seus textos no Facebook. Já não sei por que razão, há cerca de um ano, fiquei de enviar para sua casa dois livros meus que tinha publicado, um dos quais a minha tese de doutoramento sobre o tema da Europa Potência Civil. Passado algum tempo os livros foram-me devolvidos por ele ter deixado passar o prazo de levantamento do registo e combinámos encontrarmo-nos num café em Campo de Ourique para lhos entregar pessoalmente. Ao chegar, acompanhado da sua mulher, começou por dizer que era diabético e que andava muito em baixo. Não sei se será essa a causa dos seus males do foro psicológico porque é sabido que a diabetes pode provocar demência. Os seus textos no Facebook, que eu recebo por via indirecta pois não estou inscrito nas redes sociais, são na maior parte a queixar-se de ser perseguido, por um lado, e, por outro, a ofender e perseguir outras pessoas. Embora os deite sempre para o lixo, cito várias figuras díspares sobre quem destilou o seu ódio recentemente: Marcelo Rebelo de Sousa, António Barreto, Francisco Assis, Sérgio Sousa Pinto, Jorge Coelho, o director do PÚBLICO, David Dinis, etc. E agora tocou-me a mim. Mas o mais grave é que pôs a minha fotografia que vem no PÚBLICO em ponto grande, chamando-me “o energúmeno que ofendeu o Dr. Soares”, incitando ao ódio e possível violência, como fazia a PIDE e também outros conhecidos anticomunistas no período do PREC. Já ficou suspenso do Facebook por um mês e frequentemente cortam-lhe fotos e alguns impropérios que vomita. E ainda se gaba disso. Espero que agora alguém o mande calar mais uma vez.

2. Passando à parte substantiva da questão e à carta enviada ao director do PÚBLICO em 23 de Maio pelo antigo deputado Eugénio Mota, de quem nunca ouvi falar, mas de que li na Internet algumas informações pouco abonatórias, que não reproduzo por não ter a certeza de que não são apócrifas. Diz ele que no meu texto aproveito o facto de Mário Soares já não estar entre nós. O que Barroso também insinua escrevendo que Soares morreu em 7 de Janeiro de 2017. Ora, qualquer uma destas duas pessoas tem obrigação de saber ler um texto em português, interpretá-lo e só depois fazer declarações acerca do que está lá dito. No artigo em causa, escrevo que as mesmas considerações sobre a divisão da esquerda por Mário Soares, com os apelos contra a ameaça comunista, e os consequentes perigos de desencadeamento de um golpe da extrema-direita, já as tinha feito no meu artigo de 12 de Julho de 2007, depois de uma sessão no Dia da Europa, no CCB. Soares estava bem vivo nessa altura e não me consta que tivesse respondido, ou alguém por ele, a esse meu artigo no PÚBLICO.

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3. Quanto à interpelação aos dois Alfredos (que Barroso faz de conta não saber que significa pergunta, questionamento), com a qual ficou tão ofendido, dirigida igualmente a Alfredo Caldeira, há uma metodologia na investigação da história que é praticada entre nós e consiste em ouvir os participantes directos nos acontecimentos. E disso há exemplos de entrevistas a vários intervenientes no PREC, realizadas pela Universidade de Coimbra. Mas ele, que passou 20 anos ao lado de Mário Soares, e hoje milita na extrema-esquerda, antieuropeísta convicto, embora nos seus “ensaios” sobre o tema existam erros crassos, como lhe fiz notar uma vez por email, nunca teve interesse em questionar o antigo Presidente da Republica sobre alguns factos daquele tempo, que deixaram dúvidas a muita gente. Como o dos atentados à bomba e a destruição das sedes do PCP e do MDP no norte, assim como da FSP, constituída por antigos militantes do PS. Soares cita nas suas memórias, Um Político assume-se, vários desses atentados, nomeadamente em 13 de Julho e 9 de Agosto de 1975, mas não faz qualquer referência a uma condenação oficial do Partido Socialista, como diz Barroso na sua resposta. O que, com tantos pormenores de outros acontecimentos de menor importância, não deixaria de fazer se isso tivesse acontecido. Como acreditar que os camponeses do norte e de Rio Maior soubessem o que era a FSP, Frente Socialista Popular, se não tivessem sido arrebanhados para destruir as suas sedes e atacar violentamente os seus militantes? O livro de Joaquim Vieira e Reto Monico Nas Bocas do Mundo, de 2014, constituído essencialmente por recortes da imprensa da época de vários países, mostra bem que havia uma campanha concertada na Alemanha Federal, passando pelos Estados Unidos e Portugal, para mostrar as “ameaças do perigo vermelho” e assim impedir por meios não-pacíficos que os portugueses decidissem livremente do seu próprio destino, como aliás foi feito em muitos outros países pelo imperialismo americano. Ainda há pouco tempo o The New York Times desvendava uns papéis que implicavam o governo americano no terrível massacre na Indonésia, em 1965, de cerca de 500 mil militantes e simpatizantes comunistas, sindicalistas e de outras agremiações populares.

4. Qual a razão do meu artigo de 21 de Maio? Passaram 45 anos. Qual o interesse de comunicar que em Outubro de 1973, em plena ditadura, as salas dos comícios do MDP/CDE na Margem Sul estavam repletas de gente e se ouvia pela primeira vez em público o hino do Partido Comunista? Penso que tem interesse, por um lado, porque muita gente o desconhece e, por outro, porque ainda há pouco tempo vimos em Portugal reacções delirantes pelo simples facto de os dois partidos de esquerda no Parlamento apoiarem um governo de António Costa. Considero que Mário Soares teve uma actuação meritória na descolonização de Moçambique. Mas há várias contradições nas suas memórias. Por um lado, diz que poucas semanas antes do 25 de Abril se reuniu com o PCP em Paris e combinaram a unidade de acção. Acrescenta que nos primeiros tempos o PCP era muito conservador. Todos nos lembramos dos ataques da extrema-esquerda por aquele partido ser contra as greves. Mas em 23 de Setembro de 1974 Soares vai às Nações Unidas em Nova Iorque e encontra-se com Kissinger, o autor moral da contra-revolução no Chile, que lhe põe o seu telefone directo à disposição, como é referido no livro Carlucci versus Kissinger. Passados cinco dias dá-se o 28 de Setembro, segunda tentativa de pronunciamento de Spínola para tomar o poder. Em 11 de Março de 75 seria a derradeira, com os bombardeamentos no RALIS, que deixaram um rasto de morte. Depois, toda a sua actuação no ELP e no MDLP que foi dissecada há alguns anos por um jornalista alemão que se conseguiu infiltrar naqueles grupos. Em Um Político assume-se, Soares diz que Spínola devia ter compreendido que os socialistas eram os seus melhores aliados. Há toda uma literatura, e livros novos que continuam a aparecer, que confirma o que afirmei de conluio entre o PS e a extrema-direita durante o PREC. Mas Alfredo Barroso, o guru do Facebook, que nunca saiu de Portugal por não conseguir andar de avião, quer impor a lei da rolha, à boa maneira salazarista e estalinista. Fez a tropa no Terreiro do Paço, mas mesmo assim recebeu a Ordem Militar de Cristo em 1996 por “destacados serviços prestados ao exército”. Que expõe ufanamente numa página da Wikipédia, ao lado de mais de 20 outras condecorações de países onde nunca pôs os pés.

5. Para terminar, depois do recente Congresso, penso que o Partido Socialista tem futuro, um futuro melhor do que o passado, porque nele existem jovens conscientes de que este país está recheado de injustiças e não basta a liberdade (que é condicionada de vários modos) para as resolver. Hoje, um fascismo disfarçado vai-se instalando sub-repticiamente, mesmo sem serem anuladas as liberdades formais como vivi nos primeiros 30 anos da minha vida, antes do 25 de Abril.

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