O PS, a adesão à CEE e a relação com o PCP

Comentário sobre algumas afirmações de Mário Soares no Dia da Europa

Na sessão comemorativa do Dia da Europa no Centro Cultural de Belém, Mário Soares disse que quando chegou a Portugal depois do 25 de Abril de 1974 trazia já a intenção de lutar pela integração de Portugal na Comunidade Económica Europeia.Como não houve lugar para perguntas e respostas, durante a sessão, ficaram no ar algumas interrogações. Tendo o Partido Socialista Português sido criado cerca de um ano antes do 25 de Abril de 1974 e constando do seu programa medidas muito semelhantes às preconizadas no programa do Partido Comunista Português (nacionalização dos grandes grupos económicos, reforma agrária, autodeterminação e independência das colónias), compreende-se mal que o secretário-geral do PS regressasse ao país não com a intenção de aplicar o programa do seu próprio partido mas sim com uma política diferente daquele.
É que, à época, a CEE era sem dúvida um dos principais aliados do imperialismo norte-americano na sua luta contra a União Soviética pela supremacia mundial. Pedir a integração na Comunidade Europeia significava escolher um dos campos e não adoptar uma atitude neutral que politicamente, dada a correlação de forças em Portugal, talvez fosse a mais justa, pese embora a nossa pertença à NATO. A própria França tinha saído do sistema militar da aliança.
Não será por acaso, pois, que ao arrepio do programa do PS Mário Soares encetou uma política de divisão da esquerda que chegou a ser criticada pelo Partido Socialista francês. Política de divisão da esquerda que tinha um contraponto na divisão que alguma extrema-esquerda também levava à prática, nomeadamente o MRPP, quando este partido escolheu o PCP como o seu principal inimigo e não a extrema-direita, que tinha sido derrotada, mas não definitivamente, em 25 de Abril de 1974.
Antes desta data, aliás, teria havido uma reunião em França entre as direcções do PS e PCP para coordenação de acções conjuntas contra o Estado Novo, em que se preconizava a implementação de um Programa Comum, tal como vigorava em França. Com efeito, ainda mais do que naquele país, os programas dos dois partidos portugueses pareciam tirados a papel químico. É por isso incompreensível a acção de Mário Soares de incompatibilização com o PCP, por alturas do 28 de Setembro de 1974, e daí em diante, quando aquele partido até tinha reformulado o seu programa, retirando-lhe o conceito de "ditadura do proletariado".
Na altura, existiam em várias partes do mundo programas comuns entre partidos da esquerda comunista e socialista, sendo com essa base política que por exemplo Salvador Allende tinha governado durante três anos no Chile.
A partir desta divisão, que teve a sua primeira concretização efectiva durante a campanha pela "unicidade sindical", em Janeiro de 1975, nunca mais haverá unidade entre os dois maiores partidos de esquerda portugueses, inclusivamente nas políticas de aproximação aos movimentos de libertação das colónias.
Muito cedo, em 1975, Mário Soares acusou o PCP de querer reeditar em Portugal o "Golpe de Praga" de 1948, o que parecia fora das intenções daquele partido. Tinham passado 30 anos desde aquela data e vivia-se os tempos da Conferência de Helsínquia de 1975, em que foram reconhecidas à União Soviética, pelos países ocidentais, as fronteiras resultantes da Segunda Guerra Mundial como sua esfera de influência na Europa de Leste. Sabia-se que a URSS não pretendia ganhar território ou influência no extremo ocidente da Europa.
O papão comunista em Portugal, soprado por Kissinger, não serviu senão para ajudar o Partido Socialista a tomar conta do aparelho de Estado, juntamente com o que seria mais tarde o PSD, desde 1976 até à actualidade. Deixando Portugal refém do pessoal político de apenas dois partidos e de aqueles que, a título de "independentes", se lhes têm juntado, ajudando a afunilar o país em todos os sentidos, política, económica, social e culturalmente. Restringindo a diversidade e o politicamente correcto, fomentando a mediocridade, impedindo que pessoas oriundas de outras áreas políticas ou sem partido consigam ter influência na sociedade. Porque há sempre algum comissário político, ao serviço de um daqueles partidos, que zela por que os interesses do Bloco Central não sejam molestados.
E assim caminhamos, há 30 anos, tão lentamente que este tempo de espera por um país melhor e diferente se assemelha já ao tempo que esperámos pelo movimento libertador do 25 de Abril de 1974.
Com isto não se pretende branquear o assalto do PCP a alguns importantes órgãos do aparelho de Estado, justificado pela necessidade de expulsar os representantes do antigo regime, que iria durar até à realização das primeiras eleições democráticas. É até interessante realçar a preocupação do PS em realizar eleições para as Câmaras, que pediu para Outubro de 1974, conforme vem referido na edição do jornal Portugal Socialista de 13 de Julho do mesmo ano.
De qualquer modo, a divisão entre os dois maiores partidos da esquerda portuguesa foi sem dúvida uma excepção e uma especificidade em relação a todas as Frentes Populares que se tinham criado desde os tempos da República Espanhola no princípio dos anos 1930 e mesmo antes, quando foram criados os partidos comunistas nos anos 20 em dissensão com os socialistas. Talvez tenha sido essa a razão por que a democracia portuguesa conseguiu resistir aos embates e tentativas revanchistas da direita derrotada em 25 de Abril de 1974. Dêmos-lhe pelo menos esse mérito.
Professor do ensino superior
Antigo funcionário da Comissão Europeia

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