Défice zero, a mais-valia eleitoral

É plausível admitir que Portugal pode mesmo, já no final de 2018, atingir o défice zero e superavit em 2019

É uma evidência que o PS liderado por António Costa poderá ganhar as próximas eleições. A mais de um ano das legislativas, tudo está ainda em aberto e a margem de dúvida obriga a admitir que o PS possa conseguir a maioria absoluta, assim como venha perder as eleições. Um ano em política é uma eternidade. Por isso não pode sequer excluir-se que a turbulência entre os parceiros de aliança parlamentar à esquerda possa levar o BE ou o PCP a não aceitarem os pressupostos governamentais do Orçamento do Estado para 2019 e façam antecipar eleições, assumindo politicamente as consequências dessa dramatização.

Além das circunstâncias políticas, há também inúmeros factores positivos ou negativos que podem interferir na decisão do eleitorado em Outubro de 2019. Um deles será certamente a trajectória do défice. É plausível admitir que Portugal pode mesmo, já no final de 2018, atingir o défice zero e superavit em 2019. Se tal acontecer, essa será a mais-valia eleitoral que o PS terá para apresentar ao eleitorado: conseguir o que nunca aconteceu em democracia e que normalmente é apontado como vital pela direita, que acusa a esquerda de não o valorizar, nem o saber fazer. Frise-se aqui a importância determinante da gestão orçamental de Passos Coelho, que conseguiu trazer o défice sem despesas extraordinárias para o limite dos 3%, enquanto cumpria o programa de intervenção externa da troika.

Como Sérgio Aníbal explicou no PÚBLICO (10/04/2018), todos os dados e previsões apontam para que o défice zero seja atingido em 2019, mas nada obsta — insisto — a que Costa consiga atingi-lo já em 2018. É isso que indica o facto de no Programa de Estabilidade — entregue na Assembleia da República esta semana e que seguirá para Bruxelas no fim de Abril — o Governo apontar como previsão do défice no final de 2018 o valor de 0,7%, depois de ter primeiro apontado para os 1,1%. Acresce ainda que o défice de 2017 ficou em 0,9%, quando inicialmente o Governo apresentou como meta os 1,4%.

Mas há um dado político da maior importância para perceber a mais-valia política e eleitoral de que Costa poderá beneficiar. O ministro das Finanças, Mário Centeno, responsável directo pela gestão orçamental que conduziu ao sucesso da redução do défice, precisamente na segunda-feira em que se iniciou a semana de fecho da negociação com os parceiros de aliança parlamentar sobre o Programa de Estabilidade, escreveu no PÚBLICO um texto de opinião que é não só uma proclamação de intenções, mas mesmo um programa político — o qual, é claro, teve a anuência e o apoio do primeiro-ministro.

Se há coisa que Centeno nunca deixou de ter foi o apoio de Costa. Como escrevi neste espaço a 12/11/2016, num momento em que a opinião publicada duvidava de Centeno e a sua demissão era exigida, o projecto de poder e de governação de Costa dependia de Centeno, ministro das Finanças, que à solidez tecnocrática associava já então uma rara capacidade de gestão política, sabendo quando ser intransigente, mas também quando ceder numa negociação política.

No artigo desta segunda-feira, Centeno é cristalino no aviso que faz: “O Governo continuará a devolver confiança com políticas que criem emprego e conduzam ao aumento do investimento (...), assegurando margem fiscal e orçamental para fazer face a futuras crises — para que os resultados conquistados não sejam efémeros.” Acrescentando: “E, podem crer, não o vamos colocar em risco.” A publicação deste texto é um aviso aos parceiros de coligação de que não vale a pena radicalizarem a discussão do OE2019. Mas, como escreveu Vítor Costa em editorial do PÚBLICO, os “recados” de Centeno “são muito mais que isso. São recados para o próprio PS e para o Governo”.

E são muito mais e mais profundos, de facto. Até porque Centeno sabe e Costa também sabe, que em nome da voraz febre eleitoralista de abrir os cordões à bolsa em ano eleitoral, o PS não pode deitar fora o seu mais forte argumento eleitoral: o défice zero.

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