Centeno, a peça decisiva

Ainda que não seja um político, Centeno tem revelado uma habilidade e um poder de encaixe que muitos políticos não têm.

Só o próprio Mário Centeno sabe ou saberá no futuro se vai demitir-se do cargo de ministro das Finanças, assim como só o primeiro-ministro saberá se tem intenção de o demitir. Até pode ser que uma destas duas hipóteses venha a ser realidade. Agora há algo que antecipadamente se afigura como certo: Centeno é uma peça decisiva na estratégia de poder de António Costa e, se deixar o Ministério das Finanças, isso significará uma profunda derrota do primeiro-ministro e um abalo estrutural na sua estratégia de governação.

Quando o Governo foi anunciado, o espanto assolou alguns comentadores pela heresia que Costa cometia de não ter nenhum ministro de Estado e, sobretudo, por este estatuto não ter sido atribuído ao ministro das Finanças. Desde os governos de Cavaco Silva — primeiro-ministro que introduziu os executivos tecnocráticos em Portugal — que a figura do ministro das Finanças era apresentada como o elo central, o verdadeiro decisor da governação. Esse estatuto era oficialmente exibido com a assunção desta pasta como a segunda no organograma dos governos e o responsável pelas Finanças ganhava quase sempre o estatuto de ministro de Estado.

Dando a primazia a ministros mais políticos, como Santos Silva, Costa colocou Centeno em quarto lugar na hierarquia formal do Estado. Mas sempre foi claro que Centeno era a peça decisiva do xadrez de poder de Costa. E mesmo antes de o Governo ser constituído. Centeno foi durante toda o percurso de Costa até primeiro-ministro a figura com estatuto e prestígio académico para legitimar do ponto de vista dos critérios da tecnocracia o projecto político do líder do PS.

Foi esta necessidade de credibilização que levou Costa a convidar Centeno. O momento de arranque dessa legitimação foi a apresentação, em 20 de Abril de 2015, do Documento dos Economistas, elaborado por um grupo de 12 economistas presidido por Centeno. Esse texto apresentava um projecto que os socialistas assumiam como a estratégia de crescimento para o país, através da devolução e distribuição de rendimentos que aumentasse a procura interna, dinamizadora da economia.

Desde Abril de 2015, o Documento dos Economistas foi sendo feito em pó — a começar na promessa de baixar a TSU para os trabalhadores —, esfarelado pelas necessidades da negociação de Costa para chegar e se manter no Governo. E, ao longo de mais de ano e meio, Centeno tem aguentado todas as alterações de estratégia, todas as desfigurações do seu modelo, todas os jogos e inversões tácticas necessárias à conquista e à manutenção do poder de Costa.

Ainda que não seja um político, Centeno tem revelado uma habilidade e um poder de encaixe que muitos políticos não têm. O ministro das Finanças parece até ser de plasticina. É maleável, engole as críticas e as afrontas, não tem crises de ego, nem sede de protagonismo, isto tudo sem quase nunca perder a compostura e o sorriso. Tem conseguido na prática ajustar as contas e os números de modo a agradar a gregos e a troianos, ou seja, à Comissão Europeia e aos parceiros que são a base da maioria parlamentar de esquerda que sustenta o Governo socialista, BE, PCP e PEV. Em suma, Centeno é o seguro de vida do Governo.

É isso que explica que Costa tenha feito aquilo que parece um disparate político quando, sábado passado, à entrada da reunião da comissão nacional do PS, sem nenhum jornalista levantar a questão, voltou atrás para desmentir a notícia do Sol de que Centeno saía do Governo em Janeiro. Pareceu no mínimo de um político inexperiente vir ampliar uma notícia que lhe era desfavorável. Só que a importância de Centeno para a estratégia de governação é tal, que o primeiro-ministro fez questão de tentar matar a especulação no ovo.

Centeno pode até vir a sair do Governo por causa da forma como negociou com António Domingues a administração da CGD ou por qualquer outra razão, mas se isso acontecer será o chamado tiro no porta-aviões. A maleabilidade de Centeno é essencial à gincana de poder Costa.

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