Denunciante na origem do caso Swissleaks detido em Espanha

Informático vai ser extraditado para a Suíça, onde enfrenta sentença por espionagem económica. Criminalização dos “lançadores de alerta” tem sido contestada no Parlamento Europeu.

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Falciani transmitiu os dados do HSBC às autoridades francesas, dando origem à "Lista Lagarde" Reuters/Sergio Perez

Hervé Falciani preparava-se para falar numa universidade em Madrid durante a tarde de quarta-feira quando foi localizado pela polícia espanhola. Recaía sobre si um mandado de detenção a pedido das autoridades helvéticas. Foi detido e será extraditado para a Suíça, onde enfrenta uma sentença de cinco anos de prisão por espionagem económica e violação do segredo comercial e bancário.

A razão: Falciani é o informático franco-italiano que há sensivelmente dez anos começou a denunciar práticas suspeitas na filial do HSBC Private Bank em Genebra, transmitindo milhares de documentos confidenciais que deram origem à famosa “Lista Lagarde” e, mais tarde, às revelações do escândalo Swissleaks – uma das grandes fugas de informação, ainda anterior à dos Panama Papers, que chamou a atenção para a forma como o uso de contas bancárias secretas contribui para ocultar práticas de planeamento fiscal agressivo, casos de branqueamento de capitais, evasão e fraude fiscal.

A acusação que recaiu sobre Falciani e que levou à sua condenação tem a ver com vários episódios que se passaram a partir de Fevereiro de 2008, alguns anos antes de surgirem as notícias do Swissleaks em 2015 pela mão do Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação. O Ministério Público suíço alegou que o ex-funcionário começou a roubar dados a partir de Outubro de 2006, passando-os para os seus próprios suportes informáticos, e acusou-o de ter transmitido dados confidenciais da filial do HSBC em várias frentes: primeiro, a instituições bancárias libanesas a quem terá tentado vender as bases de dados roubadas e, depois, às autoridades tributárias francesas e a outras autoridades estrangeiras.

Falciani, actualmente com 46 anos, era funcionário do grupo londrino HSBC desde 2000 e, ao passar alguns anos mais tarde da filial no Mónaco para Genebra, conseguiu as listas confidenciais com informações sobre 106 mil clientes a quem o banco garantia o segredo da identidade e das transacções que passavam por essas contas, por vezes associadas a outras sediadas em offshores noutros paraísos fiscais.

“Risco reputacional” para a Suíça

Segundo as informações divulgadas pelo Ministério do Interior espanhol, a ordem internacional de detenção do informático, para Falciani ser extraditado para a Suíça, tinha sido emitida a 19 de Março.

Para o especialista em direito fiscal Nuno Sampayo Ribeiro, a extradição vai desencadear um “forte risco reputacional para a Suíça porque gera a percepção de estar a castigar o bom rapaz que denunciou os vilões da evasão fiscal” e que ajudou a tornar públicas “informações que alegadamente indiciavam a intervenção do banco HSBC no auxílio à evasão fiscal dos clientes, ao permitir-lhes a ocultação de capacidade contributiva em face das autoridades fiscais dos respectivos países”.

O Ministério Público diz que Falciani viajou para o Líbano sob pseudónimo e que tentou vender as informações confidenciais a outros bancos, daí a acusação de espionagem económica. O seu caso ganhou destaque quando o funcionário fugiu para França e entregou um conjunto de DVD às autoridades tributárias francesas. Foi aí que os dados passaram a ter o nome de “Lista Lagarde”. A ministra das Finanças de França no Governo de Nicolas Sarkozy era então Christine Lagarde, a actual directora-geral do Fundo Monetário Internacional (FMI), e ao dar conhecimento à Grécia dos nomes de clientes gregos do HSBC, a documentação fica conhecida pelo apelido da ministra francesa.

São as informações confidenciais de Falciani que mais tarde chegam às mãos do jornal Le Monde e que, ao serem partilhadas com outros media associados do Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação, levam às revelações do Swissleaks, forçando as autoridades fiscais de vários países a desencadear investigações tributárias. Algumas delas surtiram efeito, outras esbarraram no segredo bancário da Suíça (só entretanto abolido) ou nos prazos de liquidação de imposto nos países.

O julgamento, acredita Nuno Sampayo Ribeiro, será uma “prova de fogo” à escala global, para testar a “prioridade política dada pelo G20 ao objectivo de garantir protecção contra discriminações e retaliações sobre aqueles que agem como delatores de boa-fé”. As informações que divulgou, lembra este advogado, terão permitido recuperar “impostos devidos” muito significativos e “originou um escândalo que terá dado um contributo decisivo para que a Suíça aceitasse colocar fim ao segredo bancário para efeitos fiscais”.

Não é apenas esse o significado que encontra neste episódio. “A pressão sobre a Suíça aumenta também porque o caso de Falciani se compara com o caso de Birkenfeld, que entregou às autoridades americanas informações sobre práticas bancárias no auxílio à evasão fiscal dos clientes, designadamente do banco UBS para o qual trabalhava. Inicialmente cumpriu pena de cadeia, vindo a situação a alterar-se e a evoluir para a atribuição pelo fisco dos EUA a Birkenfeld, em 2012, da maior recompensa da sua história: 104 milhões de dólares.”

A criminalização dos denunciantes (também chamados “lançadores de alerta”) tem despertado a atenção de alguns eurodeputados que têm acompanhado os temas da fiscalidade e do combate ao branqueamento de capitais. Ainda na comissão de inquérito dos Panama Papers, o relatório final lamentava que “alguns países utilizem a criminalização dos denunciantes como forma de salvaguardar o sigilo” (referia-se em particular ao caso do LuxLeaks).

Considerando que a “protecção dos denunciantes pode contribuir para a salvaguarda do interesse público, a promoção da boa governação e o fortalecimento do Estado de direito”, o relatório lembrava que Comissão Europeia já declarava em Julho de 2016 – depois das revelações do Panamá – que a protecção de quem faz as denúncias, tanto nas empresas como no sector público, ajuda a “combater a má gestão e as irregularidades, nomeadamente a corrupção transfronteiras, salientando que esta priva as autoridades fiscais europeias de receitas fiscais legítimas”.

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