O Governador

Se o Governador tivesse sido substituído logo na sequência do colapso do BES a história teria sido necessariamente diferente, porque outro Governador teria retirado ensinamentos desse caso e estaria mais preparado para adoptar outro tipo de resposta.

É fácil criticar as medidas adoptadas pelos decisores públicos. Contudo, é necessário reconhecer que é difícil exercer posições de elevada responsabilidade, nomeadamente porque muitas decisões são complexas e o decisor, com informação imperfeita sobre as vantagens e desvantagens das opções, pode errar julgando que está a tomar a melhor decisão possível.

Embora com esta ressalva, entende-se que na sequência do colapso e da resolução do BES a 3 de Agosto de 2014, dados os seus contornos e custos imediatos para o erário público – injecção de capital inicial de 4,9 mil milhões de euros no Novo Banco pelo Fundo de Resolução, dos quais, 4,3 mil milhões de euros de dinheiros públicos – mesmo não atribuindo responsabilidades directas ao Governador do Banco de Portugal (BdP) pelo sucedido, este deveria ter sido afastado do cargo.

Ao invés, o Governador do BdP não só se manteve em funções como em Julho de 2015 foi nomeado pelo anterior Governo para novo mandato de cinco anos.

Antes e depois da resolução do BES ocorreram numerosos episódios negativos, alguns com a intervenção directa do Governador. Consideremos alguns desses episódios.

Apenas treze dias antes da aplicação da medida de resolução o então presidente da República Cavaco e Silva afirma que o “Banco de Portugal tem sido perentório, categórico, a afirmar que os portugueses podem confiar no Banco Espírito Santo (BES)”. Carlos Costa assegura, a 3 de Agosto de 2014, que a resolução do BES "não terá qualquer custo para o erário público e contribuintes"; posteriormente decide o abandono da promessa feita a Vítor Bento de que não seria feita uma venda rápida do BES, comprometendo-se pelo contrário a uma venda rápida do Novo Banco, a que se seguiram dois processos distintos para a alienação do banco; certamente sob recomendação do BdP o Governo assume, inclusive, o compromisso com a Comissão Europeia de liquidar o Novo Banco caso não fosse possível concretizar a sua venda, prejudicando, desse modo, o interesse público pois, em última instância, pode ter contribuído para a garantia contingente de 3,9 mil milhões de euros oferecida pelo Estado à Lone Star.

De referir ainda: o tratamento da garantia do Estado angolano e a alienação de 3,3 mil milhões de euros de créditos ao BES Angola por 10% do seu valor facial; alterações retroactivas ao balanço do BES e do Novo Banco, para reforçar os rácios de capital deste último, que continuaram a ocorrer até 29 de Dezembro de 2015, i.e., um ano e meio depois da resolução do BES, que impuseram perdas de 100%  (estimadas em cerca de 3,0 mil milhões de euros) a credores seniores do banco, entre os quais uma subsidiária da Goldman Sachs; o acompanhamento do plano de recuperação do Banif com a Comissão Europeia e a posterior aplicação da medida de resolução ao Banif em Dezembro de 2015 (banco que cumpria os rácios de capital legais obrigatórios) com perdas de 3,5 mil milhões de euros para o erário público e de 670 milhões de euros para privados, com a parte boa do Banif a ser “dada”, ao Santander Totta, única entidade efectivamente consultada no processo de venda do Banif; o “concurso público” que levou à venda do Novo Banco à Lone Star, concluída em Outubro de 2017, em que o caderno de encargos se altera após ter sido escolhida a Lone Star como única empresa a passar à fase de negociações, nomeadamente com a oferta de uma garantia estatal contingente de 3,9 mil milhões de euros; as negociações em torno da subsidiária angolana do BPI e a compra deste pelo La Caixa espanhol; as “movimentações” para a entrada da Fosun no capital do Millennium BCP em Novembro de 2016; o processo de recapitalização da CGD em 2016 e 2017; e, desde 2015, a polémica com o Montepio.

Mais recentemente, em 27 de Março último – após a injecção de 4,9 mil milhões de euros de capital no Novo Banco aquando da resolução do BES, da passagem de cerca de 3 mil milhões de euros de dívida sénior do Novo Banco para o BES mau, da injecção de capital de mil milhões de euros no Novo Banco pela Lone Star que recebe 75% do banco de graça, da reestruturação “voluntária” forçada de muita da dívida sénior do Novo Banco sob a ameaça da sua liquidação – o presidente do Novo Banco declara imparidades de 2 mil milhões de euros relativas ao exercício de 2017 sendo previsível que o banco exerça plenamente a parte restante dos 3,9 mil milhões de euros de garantias estatais contingentes.

Como pode o BdP ter errado desta forma acerca das necessidades de capital do BES/Novo Banco?

Refira-se que os últimos dois Governos (o actual e o anterior) tiveram também uma intervenção muito negativa em vários destes processos.

É sintomático que, na opinião do Governador e decisores próximos deste, se considera que a resposta à crise do BES pelo BdP foi muito boa. É da natureza humana avaliar o trabalho que se desenvolve e as decisões que se tomam de forma positiva. Por conseguinte é, pelo menos em parte, compreensível, que o Governador do BdP identifique várias razões para valorizar a resolução que foi feita ao BES, bem como as decisões que se seguiram em relação ao Novo Banco, Banif, CGD, BPI, Millennium BCP e, agora, o Montepio. E porque avalia de forma favorável as decisões anteriormente adoptadas, repete-as com outros bancos.

Note-se que é provável que o BdP, e consequentemente o seu Governador, tenha acertado em várias decisões desde 2013. Mas é por demais óbvio que, no cômputo, a actuação do BdP em relação à banca foi negativa, com elevados custos para o erário público, para privados, para a estabilidade financeira, para a actividade bancária, para o nível de crédito concedido à economia e, por consequência, para a actividade económica e para a vida de muitos portugueses e de muitas empresas. 

Se o Governador tivesse sido substituído logo na sequência do colapso do BES a história teria sido necessariamente diferente, porque outro Governador teria retirado ensinamentos desse caso e estaria mais preparado para adoptar outro tipo de resposta. Não estaria preso às decisões anteriormente tomadas como Carlos Costa aparentemente esteve e, parece, continua a estar.

Depois de: perdas de dinheiros públicos e privados que deverão exceder os 30 mil milhões de euros (1); controlo dos maiores bancos nacionais por capitais estrangeiros que recebem os bancos resgatados “de graça ou quase”; redução do número de balcões, milhares de despedimentos na banca, redução do crédito concedido à economia ou aumento de comissões para serviços tão básicos como transferências bancárias, afigura-se pertinente perguntar até quando o Sr. Governador se irá manter no cargo.

Não parece haver dúvidas na resposta: Carlos Costa continuará Governador do BdP até ao fim do seu segundo mandato em 2020. E, durante esse tempo, nos seus numerosos discursos, continuará a enaltecer o papel do BdP na resolução dos inúmeros problemas da banca portuguesa, e afirmar repetidas vezes que a banca portuguesa está mais robusta e mais resiliente graças à intervenção do BdP, como aliás já dizia em 2011!

(1) Contabiliza-se nesta estimativa as perdas privadas e públicas com o BES até Dezembro de 2015 de 19 mil milhões de euros, 4 mil milhões de euros com o Banif, 3,9 mil milhões de euros com a recapitalização da CGD em 2017, e 3,9 mil milhões de euros das garantias contingentes sobre activos do Novo Banco, oferecidos pelo Governo à Lone Star, que se antecipa venham a ser plenamente exercidas.  

 

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