Estudantes contra pagamento de prova que não garante acesso à especialidade

Embora o valor ainda não esteja definido, o presidente da associação dos estudantes de Medicina considera que será uma barreira. Para Edgar Simões há um duplo problema na saúde: formação a mais nas faculdades e um SNS a absorver médicos a menos.

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Nuno Ferreira Santos

A Associação Nacional de Estudantes de Medicina (ANEM) considera “profundamente negativa” a possibilidade, prevista no decreto-lei do regime jurídico do internato médico, de os estudantes terem de pagar uma parte do valor da nova prova de acesso à formação médica especializada. O tema é debatido esta quinta-feira na Assembleia da República, com duas apreciações parlamentares pedidas pelo PCP e Bloco de Esquerda. O plenário começa com um debate de urgência sobre o estado da saúde pedido pelo PSD.

“Acredito que os estudantes de medicina não se revêem nesta alteração que passa por dificultar o acesso à especialidade, nomeadamente no que diz respeito ao pagamento de um encargo. Isso é um aspecto profundamente negativo”, afirma ao PÚBLICO Edgar Simões, presidente da ANEM, que tem contactado os grupos parlamentares para promover possíveis alterações ao regime já publicado em Diário da República.

Para o responsável da associação, “é uma competência do Estado assegurar a formação médica” e como tal deverá também caber ao Estado suportar financeiramente a prova que em 2019 vai substituir o actual exame de seriação conhecido por Harrison e que tem sido muito criticado por não avaliar a capacidade clínica dos candidatos. Sem valor ainda definido, Edgar Simões afirma que se trata de uma questão de princípio.

“Achamos que é uma barreira e mesmo que comece num valor baixo, não sabemos até onde pode ir no futuro. Além disso, já sabemos à partida que parte dos candidatos não terão acesso a uma vaga de formação específica por falta de planeamento nos recursos humanos em saúde. E estamos a pedir aos candidatos que paguem um valor para fazer uma prova que eventualmente lhes poderá dar acesso a uma especialidade. Mas sem certeza”, destaca.

Edgar Simões refere que existem particularidades no documento que podem dificultar o acesso à formação especializada, como “a questão do vínculo ao Serviço Nacional de Saúde terminar quando a pessoa não tem acesso a uma especialidade”. Mas para o presidente da ANEM este é um problema que transcende o regime jurídico do internato médico, que faz uma separação clara entre formação geral e formação especializada.

“Duplo problema”

“É preciso perceber que existe um duplo problema. As faculdades de Medicina estão a formar muito acima das suas capacidades, mas paradoxalmente estas pessoas não estão a ser absorvidas pelo SNS”, afirma. A ANEM entregou no Parlamento, no final de 2017, uma petição com cinco mil assinaturas a pedir a criação de uma comissão isenta e externa que avalie as capacidades formativas pré e pós-graduadas.

“Devemo-nos bater pela qualidade da formação. Se houver qualidade na formação significa que há SNS e há capacidade de empregarmos os médicos que faltam”. Um investimento, salienta, que permitiria ter mais tutores quer para os estudantes de Medicina, quer para os que estão já na fase de formação pós-graduada.

“Os estudantes de Medicina querem trabalhar e aprender com o SNS. Mas a verdade é que muitos vão estar entregues a uma realidade que não é mais certa”, refere, referindo-se aos médicos sem especialidade que diz estarem em situações precárias como tarefeiros ou a recibos verdes a fazerem urgências.

Relatos que tem ouvido nas reuniões do Fórum Médico em que a ANEM tem participado. “Enquanto continuarmos a permitir que existam mais médicos indiferenciados, mais situações vão aparecer. Assusta-me muito a questão do médico que existe só para tapar buracos e em relação ao qual não existe qualquer investimento. A não ser aquele que ele decida fazer nele próprio, indo embora. Qualquer estudante de Medicina teme que isto lhe possa acontecer.”

Esta é uma preocupação partilhada pelos médicos que estão a frequentar o ano comum e que escreveram uma carta aos deputados afirmando que a “especialização médica não é, nem nunca deverá ser, uma etapa opcional ou extraordinária na carreira de um médico”.

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