Portugal já respondeu a Bruxelas sobre contrato de navios para a Marinha

Pedido para Aguiar-Branco falar sobre ajuste directo já foi votado há mais de um mês mas ainda não há data conhecida para a audição no Parlamento. Azeredo Lopes também ainda não se pronunciou.

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PAULO PIMENTA

O Governo português já respondeu à Comissão Europeia no âmbito do processo de infracção desencadeado contra Portugal por causa de um contrato público decidido em 2015 na área da Defesa: a entrega da construção de dois navios destinados à Marinha por ajuste directo ao consórcio West Sea (do grupo Martifer) e Edisoft.

A carta portuguesa seguiu para os serviços da Comissão na última quinta-feira, alguns dias antes de terminar o prazo durante o qual Portugal tinha de responder à notificação europeia (até à última segunda-feira), confirmou ao PÚBLICO o Ministério da Defesa, a quem coube pilotar a fundamentação do Estado português neste dossiê.

Na origem do diferendo que leva Bruxelas a exigir esclarecimentos está uma decisão do anterior Governo de entregar a empreitada sem abrir um concurso público, algo que a Comissão considera poder ter violado as regras europeias em termos de contratação pública na área da Defesa.

Ainda numa fase anterior aos processos de infracção, os países podem enviar mais informações e apresentar fundamentação jurídica a sustentar uma decisão em relação à qual Bruxelas esteja a levantar dúvidas. Neste caso, o diferendo com Portugal está na fase seguinte – aquela em que há um processo que obriga o Estado-membro a pronunciar-se formalmente sobre o “problema de incumprimento” identificado pela Comissão.

Foi essa a diligência agora cumprida pelo Governo português, mas sobre o sentido da argumentação nada se sabe. Coube ao ministério liderado por José Azeredo Lopes preparar a fundamentação sobre as questões levantadas por Bruxelas, que vem pedir esclarecimentos relativamente a uma decisão tomada em 2015 pelo Governo de Pedro Passos Coelho, quando José Pedro Aguiar-Branco estava à frente da pasta da Defesa Nacional.

Com o diferendo em curso, o Ministério da Defesa nada revelou sobre o conteúdo da resposta, nem detalhou informações sobre a documentação que juntou ao dossiê.

O facto de Bruxelas ter aberto o processo de infracção levou o Bloco de Esquerda a pedir uma audição do ex-ministro no Parlamento com carácter de urgência. E também o actual ministro Azeredo Lopes foi então chamado para falar sobre o mesmo dossiê. Apesar de os requerimentos já terem sido votados há mais de um mês, a 14 de Fevereiro, ainda não há uma data prevista na agenda pública da comissão parlamentar de Defesa para ouvir Aguiar-Branco e Azeredo Lopes.

O assunto chegou a fazer parte da agenda dos trabalhos da última audição de Azeredo Lopes, a 14 de Março, mas os deputados decidiram adiar esse tópico, pedindo primeiro documentação ao ministro.

Entidades únicas

Quando o anterior Governo decidiu avançar com o ajuste directo – aprovando-o na reunião do Conselho de Ministros de 28 de Maio de 2015 já depois de receber um parecer da sociedade de advogados Sérvulo & Associados –, o Governo justificou o ajuste directo à Edisoft e à West Sea com “motivos de interesse público e urgência imperiosa” em comprar os navios “no mais curto prazo possível” para garantir capacidade de patrulha e fiscalização à Marinha portuguesa.

Na calha estavam dois navios-patrulha oceânicos destinados a substituir duas corvetas já com mais de 40 anos. E na hora de encontrar um fornecedor, a escolha do Governo recaiu sobre a West Sea (a sociedade que ficara com a subconcessão das infra-estruturas e terrenos dos Estaleiros Navais de Viana do Castelo) e a Edisfot por serem ambas as únicas entidades com “especiais aptidões técnicas” para construir em tempo útil (até este ano de 2018) os navios pretendidos, da classe “Viana do Castelo”, idênticos a outros dois que ali tinham sido construídos para a Marinha.

O contrato que agora é visado pela Comissão Europeia, depois de uma queixa da eurodeputada do PS Ana Gomes, também foi alvo de investigação no Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP). O caso acabou arquivado a 31 de Janeiro deste ano, dias depois de Bruxelas ter iniciado o processo de infracção (parte dos autos foi remetida ao processo, separado, onde se investiga a subconcessão dos estaleiros de Viana do Castelo e a venda do navio Atlântida).

O magistrado titular do processo, Rui Correia Marques, considerou que o ajuste directo por 77 milhões de euros (abaixo dos 95 milhões dos dois navios anteriores encomendados aos ENVC) cumpriu os requisitos formais, corroborando a interpretação do despacho do processo, também ele arquivado, que fora pedido aos serviços do Ministério Público junto do Supremo Tribunal Administrativo. O procurador arquivou o inquérito por concluir não haver indícios suficientes da prática dos crimes de administração danosa, corrupção passiva e activa, e participação económica em negócios

No Tribunal de Contas, o ajuste directo recebera visto prévio a 7 de Setembro de 2015 por se considerar que tinha fundamento legal, mas um documento interno revelado pelo PÚBLICO na semana passada – o relatório do departamento de controlo interno – não era linear. O documento dizia que, na hora de conceder ou recusar o visto prévio, seria preciso analisar se o ajuste directo fora a opção mais adequada, “se garantiu o cumprimento dos princípios da concorrência, da igualdade e da transparência” e o melhor resultado financeiro; ou se “tal só teria sido verdadeiramente assegurado” com outro procedimento, como um concurso internacional.

Do lado do Ministério da Defesa, argumentou-se perante o Tribunal de Contas que para ter os navios prontos em 2018 de forma a cumprir o que se previa na Lei de Programação Militar a adopção de um concurso internacional naquela altura não seria compatível com os prazos, já que, de acordo com uma prospecção de mercado internacional, não tinham sido encontradas construções navais que “acomodassem em tempo útil, com preços aceitáveis, a replicação” dos dois navios construídos antes da subconcessão à Martifer.

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