Portugal renova parcerias internacionais na ciência

A aliança entre Portugal e três universidades norte-americanas e uma sociedade alemã vai continuar, com o país a investir mais 64 milhões de euros. Com estas parcerias, o Ministério da Ciência diz quer estimular o emprego científico e ajudar a desenvolver nos Açores o Centro de Investigação Internacional do Atlântico.

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Axel Schmidt/Reuters

Já lá vão dez anos desde o início das parcerias entre Portugal e a Universidade Carnegie Mellon, o Instituto de Tecnologia do Massachusetts (MIT), a Universidade do Texas em Austin (todos nos EUA) e a Sociedade Fraunhofer (Alemanha). E o programa GoPortugal – Parcerias Globais de Ciência e Tecnologia para Portugal, como se chama, é para continuar até 2030. Esta quinta-feira a renovação foi em dose dupla: aprovou-se em Conselho de Ministros o financiamento de 64 milhões de euros até 2023 para estas parcerias e assinaram-se os seus contratos no Centro de Engenharia e Desenvolvimento de Produto (Ceiia), em Matosinhos. Como grandes objectivos para esta nova fase estão o estímulo ao emprego científico e o desenvolvimento do AIR Centre – Centro de Investigação Internacional do Atlântico, nos Açores.  

Foi entre 2006 e 2007 que o governo português, através da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT), lançou as parcerias com as três universidades norte-americanas. O objectivo era continuar a internacionalizar a ciência e a tecnologia portuguesas, através da formação, investigação e inovação. Logo em 2008 a parceria alargou-se para a Sociedade Fraunhofer e criou-se um centro Fraunhofer em Portugal. O prazo destas parcerias terminou no final de 2017.

Nestes últimos dez anos, Portugal financiou em cerca de 120,5 milhões de euros estas quatro parcerias. E mais de mil docentes, investigadores e empresários participaram nelas, mais de 1500 estudantes de mestrado e doutoramento estiveram envolvidos e cerca de 300 empresas portuguesas (de base tecnológica) foram apoiadas, segundo dados da FCT.

“O balanço não podia ser melhor”, diz ao PÚBLICO o ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, Manuel Heitor. Por isso, renovou-se o elo: “A ciência, o desenvolvimento científico e as economias do conhecimento são cada vez mais globais. Hoje só faz sentido fazer ciência em estreita relação global. É decisivo trabalhar com grandes parceiros a nível mundial para o reconhecimento de Portugal no mundo.”

Entre os resultados, Manuel Heitor destaca a criação de empresas como a Veniam, a Feedzai e a Unbabel: “São empresas de base tecnológica que hoje funcionam em todo o mundo. Foram lançadas no âmbito destes mercados e permitem aos investigadores portugueses aceder a novos dados e ter um nível de sofisticação que de outra forma não tinham.” Além dessa transferência de conhecimento para as empresas, Manuel Heitor salienta o “grande” papel que as parcerias trouxeram aos grupos universitários ao trabalharem em conjunto.

Contudo, quando se pergunta se alguma vez foi feito um estudo de avaliação do impacto destas quatro parcerias internacionais na área da ciência, Paulo Ferrão, o presidente da FCT, responde que não.

Agora, os 64 milhões de euros até 2023 serão distribuídos da seguinte maneira: 20 milhões para o programa do MIT; outros 20 milhões para a Universidade Carnegie Mellon; 18 milhões para a Universidade do Texas; e seis milhões para a Sociedade Fraunhofer.

E se há dez anos os objectivos estavam mais virados para a formação de doutores, agora o rumo vai mudar. “Vamos dar mais relevo ao emprego científico com programas de co-recrutamento, para que se possa estimular a capacidade das instituições portuguesas de recrutarem e empregarem investigadores”, frisa Manuel Heitor. Este objectivo está ligado a um outro já anunciado pelo ministro: contratar mais cinco mil investigadores até ao final da legislatura.

O outro grande desafio é desenvolver o AIR Centre em colaboração com as universidades norte-americanas. “Será o denominador comum de todas as parcerias nesta nova fase. Todas têm uma componente importante relacionada com o espaço, o oceano e o clima, em estreita articulação com o AIR Centre.”

Do supercomputador à física médica

Mas vamos por partes. Nos últimos dez anos, a aliança com a Universidade do Texas, em Austin, tem-se centrado nos media digitais, na computação avançada e na matemática aplicada. Houve uma fase em que se procurou apoiar as universidades e institutos politécnicos na transferência de tecnologia, como estágios internacionais nos EUA e o acompanhamento de startups. Depois, houve uma fase de desenvolvimento de negócios das empresas portuguesas nos EUA.

No total, o programa com a Universidade do Texas teve um impacto económico directo de mais de 318 milhões de euros, incluindo 133 milhões de tecnologia exportada, segundo dados do Instituto de Engenharia de Sistemas e Computadores do Porto Tecnologia e Ciência (Inesc Tec), onde vai agora ficar a sede desta parceria renovada. O programa envolveu 50 instituições de investigação em Portugal, foram criadas cinco novas empresas e formados mais de 50 novos doutores.

“Agora o desafio é maior porque se percebeu que existe uma capacidade para sermos mais ambiciosos e fazermos colaborações em áreas ‘mais à frente’”, salienta José Manuel Mendonça, presidente do Inesc Tec e coordenador nacional desta parceria.

Na nova fase, a parceria vai dedicar-se às nanotecnologias e às tecnologias e serviços de computação avançada. Como tal, a Universidade do Texas ofereceu um supercomputador a Portugal, que permitirá a criação do centro de computação avançada na Universidade do Minho e estará ao serviço de todo o país. “Esse computador consegue fazer em poucas horas o que computadores normais demorariam semanas ou até meses a fazer. O computador permitirá quer na investigação quer nas empresas atacar problemas de computação, de análise de dados, de apoio à visualização de informação em tempo real”, explica José Manuel Mendonça.

Existirão ainda duas áreas fundamentais: a física médica, em que se apostará na formação na área de tecnologias avançadas para tratamentos oncológicos no país; e investigação nas áreas do espaço, do oceano, do clima e na energia ligadas ao AIR Centre.

Já a parceria com a Universidade Carnegie Mellon transfere agora a sua sede portuguesa do Porto, no Inesc Tec, para o Instituto Superior Técnico (IST), em Lisboa. Este programa centrou-se sobretudo nas tecnologias de informação e comunicação, houve mais de 364 estudantes de doutoramento e mestrado, envolveu 42 instituições académicas portuguesas e impulsionou a criação de 11 startups. Uma delas é a empresa Feedzai, que conseguiu angariar mais de 75 milhões de dólares (60 milhões de euros) de financiamento, tem a sede em Silicon Valley e delegações em Portugal e Londres, e está avaliada no mercado em cerca de 625 milhões de dólares (521 milhões de euros).

“Estamos a iniciar uma nova fase muito centrada na ciência dos dados”, diz Nuno Nunes, que coordena esta parceria juntamente com Rodrigo Rodrigues, ambos do Departamento de Engenharia Informática do IST. “A inteligência artificial e a robótica são muito fortes na Universidade de Carnegie Mellon e vamos procurar que trabalhem ainda mais com os grupos de investigação em Portugal.” Nuno Nunes adianta que estas parcerias se “materializam” na abertura de concursos para projectos de investigação e bolsas de doutoramento e espera que se abra já o primeiro no próximo mês de Março.

Já o programa com o MIT tinha como áreas principais a bioengenharia, a energia, o desenvolvimento industrial e os transportes. Foram financiadas cerca de 400 bolsas de doutoramento, houve 270 doutorados e 225 mestres (dos quais 250 portugueses) e 43 projectos. Estima-se ainda que as empresas criadas tenham gerado mais de 300 postos de trabalho em Portugal. “Agora estamos mais virados para a área do espaço, do clima, das interacções oceânicas e das tecnologias oceânicas”, salienta Manuel Heitor, referindo-se à parceria com o MIT, que terá a sua sede na Universidade do Minho. O responsável português pela parceria continua a ser Pedro Arezes. 

Por fim, há a parceria com a Sociedade Fraunhofer, que tem como coordenadora Liliane Ferreira e que deu origem ao instituto Fraunhofer Portugal, na Universidade do Porto, destinado ao desenvolvimento de inovações tecnológicas para crescimento económico ou para melhor a qualidade de vida. Mais de 100 instituições de investigação e de desenvolvimento e empresas estiveram envolvidas neste programa. Agora, vão criar-se outros dois pólos do instituto, um na Universidade de Évora e outro na Universidade de Trás-os-Montes. “Será para colaborar com investigadores portugueses no desenvolvimento da agricultura de precisão para os mercados europeus”, esclarece Manuel Heitor.

Daqui a cinco anos, outro balanço estará em cima da mesa. 

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