“As startups foram um efeito não previsto das parcerias internacionais”

Professor na Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, João Claro dirige desde 2013 o programa de cooperação entre Portugal e a Universidade Carnegie Mellon, nos EUA, criado em 2006.

Foto
João Claro Hugo Santos

O coordenador da parceria com a universidade norte-americana Carnegie Melon em Portugal, João Claro, está a trabalhar no programa para a terceira fase do projecto, para arrancar em 2018. No final do primeiro semestre do próximo ano deverão ser anunciadas as orientações para o novo ciclo, mas as tecnologias da informação e comunicação vão continuar a ser o principal foco desta colaboração. O programa está a completar dez anos, durante os quais envolveu mais de 120 empresas portuguesas, gerou 11 startups e atraiu cerca de 15 milhões de euros de investimento privado em projectos de investigação.

O programa Carnegie Mellon – Portugal comemorou no final do mês passado dez anos. Que contributo deu ao país?
Cumprimos a nossa missão: tornar mais competitiva a ciência e a inovação portuguesas na área das tecnologias da informação e comunicação. O programa cobre a cadeia de valor do conhecimento, desde a investigação mais fundamental ao trabalho lado a lado com as empresas e com um foco muito particular na colaboração internacional com a Carnegie Mellon (CM).

Qual é a vantagem de pôr as estruturas nacionais em contacto com a CM?
Aprendemos, melhorando a qualidade da colaboração entre as nossas instituições e com as empresas, que são domínios em que a CM tem uma experiência de referência. A CM também nos dá acesso às redes internacionais de conhecimento e de negócios, que são os palcos onde hoje em dia se faz a ciência e a inovação, em particular na área das tecnologias de informação e comunicação.

O programa influenciou mais positivamente o tecido empresarial ou o científico?
Saem ambos beneficiados porque a actividade que fazemos é de grande proximidade entre as universidades e as empresas, promovendo fluxos de ideias e de pessoas entre os actores. Do lado das empresas, os efeitos positivos estão nos quadros que se formaram no âmbito dos nossos programas educacionais, mas também na colaboração com as instituições de investigação e as universidades nos projectos de investigação, e no apoio que damos no domínio do empreendedorismo; as universidades também beneficiam da colaboração com as empresas, mas o que nós fazemos é sobretudo dirigido no sentido de facilitar o seu acesso às redes internacionais de conhecimento.

Estão envolvidas todas as 15 universidades que pertencem ao Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas. Com quantas empresas trabalhou o programa ao longo destes dez anos?
Mais de 120, que trabalharam nas várias áreas do programa, desde a educação até à investigação e ao apoio ao empreendedorismo. Quando o programa foi lançado tinha três parceiros empresariais fundamentais, que foram a Portugal Telecom, a Nova Base e Nokia-Siemens. A partir daí foi crescendo de uma forma linear ao longo destes anos.

São grandes empresas como as primeiras com as quais foi estabelecida uma colaboração?
Não, são empresas com uma estrutura diversificada. Temos actividades que se enquadram mais naturalmente com empresas grandes, outras com empresas pequenas e médias, e outras com as startups.

É estimável o impacto económico que o programa teve ao longo dos dez anos?
É muito difícil de estimar. Não é um problema específico do programa Carnegie Mellon – Portugal, é um problema geral da actividade de investigação. Mas somos capazes de apreciar um conjunto de indicadores e de mecanismos que nos deixam confiantes sobre a existência desse impacto e a sua magnitude. Por exemplo, há um conjunto de startups impulsionadas a partir do programa com resultados significativos.

Por exemplo?
O investimento de capital de risco captado por estas empresas anda na ordem dos 67 milhões de dólares [cerca de 60 milhões de euros]. É financiamento na sua grande maioria internacional. Portanto, quer pela dimensão quer pela qualidade do investimento, conseguimos apreciar o impacto do programa como plataforma internacional.

E quantos postos trabalhos foram criados?
Estamos de falar de mais de 200 postos de trabalho em 11 startups.

É um número suficiente em dez anos?
As startups foram um efeito não previsto das parcerias internacionais. Mais do que o número, destaco a qualidade dos projectos que saíram do programa, em particular empresas como a Veniam ou a Feedzai, que se estão a desenvolver a nível internacional.

Há um ano e meio, um estudo do ISCTE apontava para um efeito limitado destas parcerias internacionais na economia. Concorda com esta visão?
Julgo que terá havido uma leitura que extravasou um pouco a ambição desse estudo. Este tipo de estudo tem necessariamente uma natureza exploratória. Há aspectos relacionados com o impacto económico que são aflorados, mas o estudo não procura aferir o impacto económico das parcerias. Por outro lado, o estudo é feito numa altura em que, por exemplo, no programa Carnegie Mellon – Portugal, estamos a lançar os primeiros estudantes de doutoramento no mercado de trabalho, e estamos também a dois terços de projectos de investigação. É um estudo que olha para as parcerias numa altura eventualmente um pouco prematura para poder aferir este impacto.

O programa também compreende uma componente de formação.
É uma das áreas importantes. As empresas portuguesas financiaram a inscrição nos nossos mestrados profissionais de mais de 100 quadros. No total foram formados 250 alunos de mestrado. Houve seis programas de mestrado, dos quais se mantêm dois: um activo na Madeira, na área de interacção humano-computador, e outro em Coimbra, na área da engenharia de software, que tem estado a ser revisto.

Quantos alunos de doutoramento passaram pelo programa?
Foram atribuídas cerca de 120 bolsas de doutoramento e à volta de 50 estudantes já acabaram o percurso doutoral. Um aspecto distintivo dos programas do Carnegie Mellon – Portugal é que todos os nossos graus são duplos. Ou seja, todos os nossos alunos têm um grau de uma universidade portuguesa e um grau da CM e passam sensivelmente dois terços do seu tempo em Portugal e um terço do tempo em CM.

Para onde vão estes estudantes?
Temos 50% dos estudantes colocados em empresas e os outros 50% divididos entre sector público e academia, mas com uma concentração maior na academia.

Qual foi o financiamento global da parceria nesta década?
Para a primeira fase, tivemos financiamento público de 56 milhões de euros e, na segunda fase, de 20 milhões. O co-financiamento privado anda na ordem dos 15 milhões de euros.

O contributo das empresas foi afectado pela crise?
Não tivemos essa percepção. O que aconteceu na segunda fase foi que o nível de co-financiamento nos projectos subiu. Na primeira fase, a nossa estimativa de co-financiamento para os projectos colaborativos foi de pouco mais de um milhão de euros para cerca de 16 milhões de financiamento público. E na segunda fase tivemos 2,4 milhões de euros de co-financiamento privado para 11,2 milhões de financiamento público.

Qual foi o orçamento global da parceria para este ano?
Temos o orçamento da segunda fase dividido de forma homogénea pelos cinco anos. São 20 milhões globais, quatro milhões em cada ano.

Dentro de um ano termina a segunda fase do programa? Já há garantias de continuidade?
Fomos desafiados pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior e pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia a trabalhar na construção de uma proposta para uma terceira fase e estamos neste momento a fazê-lo. A minha expectativa é que no primeiro semestre do próximo ano possamos ter esta proposta avançada. Por essa altura, serão anunciadas as intenções do Governo e da parceria para a próxima fase.

O que é preciso para isso seja concretizado?
O mundo na ciência, na inovação e na área das tecnologias de informação e comunicação muda a uma cadência dramática. Portanto, os desafios são renovados. Temos de saber quais as perguntas a que estamos a responder e quais são esses desafios. Estamos a trabalhar nisso, mas temos confidencialidade sobre o trabalho que estamos a fazer.

Foto
João Claro Hugo Santos

A parceria vai manter-se no domínio das tecnologias da informação e comunicação?
Não temos nenhuma indicação em contrário. Já é um domínio bastante abrangente e que é fulcral hoje em dia. As tecnologias da informação e comunicação são um pilar fundamental das nossas sociedades e das nossas economias e um desafio à altura de uma parceria como esta.

Até quando faz sentido uma parceria como esta?
Não temos qualquer vislumbre de que a tendência de internacionalização das actividades de ciência e de inovação vá sofrer uma inversão. Se há algo que vai fazer sentido é termos ainda uma maior aposta na plena inserção da ciência portuguesa em redes internacionais, por veículos como este, que são uma aposta bem ganha. Este é um instrumento original, claramente bem-sucedido, com um papel determinante para facilitar este acesso à dimensão internacional da ciência e da inovação. Para o futuro, com o acentuar dessa dimensão internacional a nível global, só faz mais sentido reforçar a aposta neste tipo de instrumentos.

Texto corrigido às 13h13 do dia 30 de Novembro: João Claro dirige o programa de cooperação entre Portugal e a Universidade Carnegie Mellon, nos EUA, desde 2013 e não desde o seu início, em 2006.

Sugerir correcção
Ler 1 comentários