E se o Pai Natal não existisse?

Do homem do chicote à bruxa do Natal, passando por uma ogre e um gato devoradores de pessoas, são inúmeras as lendas e tradições de diversos países no imaginário natalício entre o dia 5 de Dezembro e 5 de Janeiro.

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“Merry Old Santa” - Thomas Nast

Em 1881, o cartoonista Thomas Nast criava o desenho de um homem gordo, de barbas brancas, vestido com roupas vermelhas e um largo cinto preto, numa ilustração para a Harper's Weekly. Esta figura do Pai Natal seria depois amplamente divulgada pela Coca-Cola através de uma campanha publicitária sem precedentes em 1931. O Pai Natal é a figura mais icónica para quem celebra o Natal mas, em alguns países, outras figuras e tradições ainda se mantêm. Eis algumas alternativas ao Pai Natal:

 

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Representação de São Nicolau DR

São Nicolau ou o precursor do Pai Natal

Santo cristão padroeiro e protector das crianças, São Nicolau é celebrado no dia 6 de Dezembro, data da sua morte. Na noite de 5 para 6 de Dezembro São Nicolau "passa" pelo Norte e Leste da França, pela Bélgica e por vários países como a Alemanha, Holanda, Áustria, Rússia, entre outros. Cada país celebra a data de maneira ligeiramente diferente, mas todas as crianças, bem comportadas, claro, são recompensadas.

Montado no seu burro, vai de casa em casa deixando frutos secos, maçãs, bolos, bombons, chocolates e sobretudo um grande pão de especiarias (pain d'épices, em francês). Esta personagem é inspirada em Nicolau de Mira, bispo da Ásia Menor (hoje Turquia) do século IV. São Nicolau está no grupo dos santos mais populares, sendo o padroeiro com mais causas associadas. São inúmeras as lendas e em todas se destaca a sua personalidade generosa. Conta-se que ressuscitou três crianças, deu dinheiro a três meninas pobres para que pudessem ter um dote, e que protegeu um barco carregado de trigo até chegar à cidade de Mira, numa época de fome.

Nos Estados Unidos foi através da sua figura que se evocou pela primeira vez uma personagem similar ao Pai Natal. Em 1822, foi descrito pelo pastor americano Clement Clarke Moore num poema chamado Uma visita de St Nicholas. O escritor traçava São Nicolau como um velho duende simpático, gordo e sorridente, a fumar cachimbo e que distribuía prendas, movendo-se num trenó puxado por oito renas. Este texto viria a ter um papel importante na formação do mito que hoje se conhece e se associa ao Pai Natal. Uns anos mais tarde, a partir de 1850, os ingleses começavam a abandonar a celebração de St. Nicholas e a preferir a festa de Natal próxima da que hoje se celebra.

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Representação do Père Fouettard DR

Père Fouettard ou o homem do chicote

Companheiro de São Nicolau, o Père Fouettard castiga as crianças que se portaram mal durante o ano. Conta-se que esta lenda é uma invenção dos professores que, no século XVIII, queriam combater a preguiça dos seus alunos. Mas a personagem poderá ter uma origem histórica precisa. Durante o cerco à cidade de Metz pelas tropas de Carlos V, no século XVI, os habitantes da cidade francesa queimaram um boneco, com uma representação grotesca do imperador empunhando um chicote, que foi apelidado de Père Fouettard (proveniente da palavra fouet, que significa chicote em francês).

Desde o início da celebração de São Nicolau, no dia 6 de Dezembro, que esta personagem é apresentada como seu servo nos países de tradição germânica. Na Alemanha é apelidado de Knecht Ruprecht no Leste da Baviera; na Áustria é Krampus (representado como uma figura demoníaca), e chamado de Hans Trapp  na Alsácia. Père Fouettard veste um enorme manto preto com capuz e umas grandes botas, trazendo por vezes um chicote e um saco. Reza a lenda que chicoteia as crianças mal comportadas ou as leva dentro do saco.

Enquanto São Nicolau recompensa as crianças bem comportadas oferecendo prendas e bombons, Père Fouettard oferece carvão, batatas ou cebolas. Mas nem sempre a imagem do homem vestido de preto é a imagem associada a Père Fouettard, quando falamos de Krampus (a sua versão austríaca), por exemplo, é representado com cornos e uma cauda, numa imagem de um demónio verdadeiramente assustador. Em algumas tradições mais recentes é apresentado como um ajudante de São Nicolau e é representado de forma mais simpática, como um palhaço ou um acrobata.

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Grýla ou a ogre devoradora de crianças

Há uma ogre que vive nas montanhas da Islândia. Ela tem a habilidade de detectar as crianças que se portaram mal durante o ano e, na época do Natal, desce das montanhas para as cidades próximas à procura de alimento. O seu prato favorito: crianças. Grýla rapta as crianças mal comportadas, põe-nas dentro do seu saco e leva-as para a cave onde mora, para as cozinhar vivas e comer. O seu apetite é voraz e insaciável.

A ogre foi casada três vezes e vive com o terceiro marido, Leppalúði, nos campos de lava de Dimmuborgir. Moram com os seus 13 filhos, os Yule Lads, e com o Yule Cat, o seu animal de estimação. Com origens pagãs, só a partir do século XVII é que esta figura mítica foi associada ao Natal. Quando a época natalícia se aproxima, Grýla inicia a sua busca por meninas e meninos malandros. A sua lenda é protagonista em diversas histórias, poemas, músicas e peças tradicionais islandesas.

Yule Cat ou o gato da roupa nova

O terrível Yule Cat (Jólakötturinn) é um monstro do imaginário folclórico da Islândia que assombra a área rural do país na época do Natal. Diz-se que este gato come pessoas, mas, ao contrário da dona - a ogre Grýla que devora crianças - o Yule Cat come qualquer pessoa que não tenha recebido roupa nova antes do Natal. Esta lenda era usada por agricultores para que os trabalhadores acabassem de processar a lã de Outono antes do Natal. Aqueles que trabalhassem eram recompensados com roupas novas, enquanto os outros ficariam à mercê do gato gigante.

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Representação do Yule Cat DR

É comum as pessoas comprarem ou fazerem peças de roupa para oferecer na véspera de Natal. Algumas lendas retratam o Yule Cat de uma forma menos monstruosa, atribuindo-lhe apenas a função de comer as ceias de quem não recebe roupa nova. A ideia do Yule Cat como devorador de pessoas foi popularizada pelo poeta Jóhannes úr Kötlum no seu poema Jólakötturinn.

Olentzero ou o carvoeiro bonacheirão

Olentzero (“tempo dos bons” numa tradução literal) é uma personagem da tradição basca associada aos festejos do solstício de Inverno antes do cristianismo. Porém, converteu-se, depois, no anunciador da chegada de Jesus Cristo. Como forma de caricatura por parte da Igreja, Olentzero é representado como uma figura obesa e normalmente bêbedo. De acordo com a tradição basca moderna, Olentzero é uma personagem adorável, que usa roupa de agricultor e fuma cachimbo. Por vezes é apresentado com barba, outras com a cara mascarrada de carvão.

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Olentzero DR

Na noite de Natal, grupos de pessoas transportam figuras de Olentzero sentado numa cadeira e passeiam pelas ruas, cantando músicas de alusão à personagem e reúnem comida e doces. Mas nem sempre Olentzero foi visto como uma figura simpática. No século XVIII era retratado como uma personagem de terror e servia para assustar as crianças dizendo que se não estivessem a dormir à noite, Olentzero entraria pela chaminé e lhes cortava o pescoço com uma foice. Mais tarde, a mesma lenda aplicava-se aos adultos que não mantinham as chaminés limpas, ou na conversão para o cristianismo.

É comum existirem variações regionais e culturais desta tradição, sobretudo dependendo se se é cristão ou pagão. Porém, na tradição basca mais comum, Olentzero chega às casas das pessoas na noite de 24 de Dezembro e deixa prendas para as crianças. Em alguns sítios, chega mais tarde, como em Ochagavía (a dia 27) ou Ermua (no dia 31).

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Befana DR

La Befana ou a bruxa do Natal

Befana é uma velha mulher que entrega prendas a crianças por toda a Itália na noite da Epifania (a 5 de Janeiro, véspera do Dia dos Reis). Com origens pagãs, a história mais comum que remonta à sua existência é católica. Reza a lenda que quando os Reis Magos se dirigiam a Belém, para levar as oferendas ao menino Jesus, não conseguiam encontrar o caminho. Na estrada, encontraram uma velhinha e pediram ajuda. Agradecidos pela guarida que ofereceu, apesar de não conseguir ajudar com o caminho, convidaram-na para os acompanhar mas, ocupada com as lides domésticas, Befana não aceitou.

Depois, arrependida, preparou um cesto de doces e tentou encontrar os Reis Magos e Jesus. Não tendo conseguido, decidiu oferecer os doces a todas as crianças que encontrou. Befana visita as casas das crianças italianas na noite de 5 de Janeiro para encher as suas meias de doces se tiverem sido boas, ou carvão (representado hoje em dia por doces pretos) se tiverem sido mal comportadas. Conhecida por ser uma boa dona de casa, muitos dizem que ela varre o chão dos lares antes de partir. Este acto é associado à simbologia de varrer os problemas do ano. As famílias costumam deixar um copo de vinho e comida para a velha mulher.

Befana é normalmente representada como uma bruxa que voa numa vassoura e usa um xaile preto, coberta de fuligem por entrar nas chaminés de todas as casas. Normalmente é representada a sorrir e transporta um saco ou cesto cheio de doces. É também conhecida como “Bruxa do Natal”. Com origem em Roma, Befana é um ícone nacional. Na tradição italiana, as crianças recebem prendas dadas pelo Pai Natal, no dia de Natal, e doces no sapatinho oferecidos por Befana, no Dia dos Reis.

 

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Ježíšek ou o menino Jesus e o sino

Ježíšek (menino Jesus) é a figura popular natalícia da República Checa. De acordo com a tradição do país, Ježíšek aparece na véspera de Natal. Após a ceia tradicional composta por carpa, salada de batata e sopa de carpa (ou de ervilhas), as famílias vão para um quarto e olham para o céu à procura do menino Jesus. Depois, ouve-se um sino. As crianças correm para outro quarto e encontram prendas debaixo da árvore de Natal. Ir à igreja é também comum nesta noite.

As crianças abrem as prendas no dia 24 de Dezembro depois do jantar, ao contrário de outros países onde esperam pela meia-noite ou pela manhã do dia 25. Esta tradição perpetua-se há mais de 400 anos e, apesar de algumas famílias já recorrerem à história do Pai Natal, a crença no Ježíšek mantém-se um pouco por todo o país. A par da noite de Natal, na República Checa celebra-se também o dia de São Nicolau a 6 de Dezembro.

Texto editado por Hugo Daniel Sousa

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