Alexis Tsipras critica tecnocratas e diz que a realidade lhe deu razão

Primeiro-ministro da Grécia olha com esperança para um Eurogrupo com Mário Centeno à cabeça e diz que o Governo de António Costa é um exemplo a seguir no seu país.

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Alexis Tsipras esteve em Lisboa com António Costa LUSA/MIGUEL A. LOPES

O primeiro-ministro da Grécia, Alexis Tsipras, considera que um dos maiores problemas da União Europeia (UE) é que "os tecnocratas assumiram o papel dos políticos", mas o fim do terceiro resgate financeiro ao país, que espera selar no próximo ano, diz-lhe que as suas propostas acabaram por vencer: "Para mim, é a realidade a dar-me razão."

De visita a Lisboa para participar numa reunião dos socialistas europeus, Tsipras deu uma entrevista ao Diário de Notícias pouco antes de ter regressado à Grécia, em que o tema principal foi o presente e o futuro da União Europeia.

A sua chegada ao poder na Grécia, no início de 2015, foi vista com muito cepticismo pela maioria dos restantes membros da União Europeia, numa época em que as propostas da esquerda eram vistas como muito prejudiciais para a recuperação da grave crise financeira que afectou a Europa.

Quase três anos mais tarde (e depois de um referendo sobre os termos do pagamento dos resgates financeiros, em Julho de 2015, e uma crise governativa), Alexis Tsipras considera que a Grécia está no bom caminho, mas reconhece que a maioria dos gregos não acredita que o país vai ter a sua "saída limpa" no Verão do próximo ano.

"Acredito totalmente que se conseguirmos o sucesso da saída do memorando no Verão de 2018 isso irá mudar a psicologia das pessoas. Se for agora perguntar aos gregos se acham que isso vai acontecer, a maioria, depois de sete anos de memorandos, irá dizer que não acredita. Mas se isto se tornar um facto, então a psicologia mudará rapidamente", diz Tsipras.

Quanto às suas possibilidades de reeleição, em Outubro de 2019, o primeiro-ministro grego faz questão de traçar uma linha divisória entre o seu primeiro mandato e o futuro da Grécia depois disso – até 2019, o foco está em "minorar as consequências da crise"; depois, se for reeleito, quer que "as pessoas vejam no dia-a-dia as consequências da recuperação económica".

"Às vezes os números são positivos mas a vida das pessoas continua negativa. Assim, a nossa intenção é mudar a vida das pessoas", diz Alexis Tsipras.

Europa mostrou a sua cara dura

Na entrevista, o primeiro-ministro grego não fala sobre como é que isso poderá ser feito, mas mostra que tem ideias muito fortes sobre porque é que isso não foi feito nos anos de crise: "Penso que a Europa enfrentou a crise da pior maneira. As ideias neoliberais prevaleciam na maioria dos governos durante a crise financeira e por isso foi aplicada uma má receita e criou-se uma série de feridas no corpo social da Europa."

E foi isso que, no entender do primeiro-ministro grego, levou a um aumento das desigualdades e ao crescimento da extrema-direita: "Essa é a grande ameaça para a Europa no futuro próximo. Não estou optimista porque existem muitas divisões, desigualdades entre países mas também dentro de cada país, nas nossas sociedades. Temos divisões causadas por estes, digamos, governos ultradireitistas na Europa de Leste."

Uma tendência que ficou patente na forma como os governos europeus reagiram à crise dos refugiados – uma outra crise que, no caso da Grécia, se somou à grave crise financeira: "Infelizmente, o meu país ficou no epicentro de duas crises paralelas, a financeira e a dos refugiados ao mesmo tempo. Tivemos de suportar nos nossos ombros o fardo da Europa. Especialmente nas nossas ilhas a situação foi muito, muito difícil. Assim, naquele momento em que a Europa tinha de mostrar solidariedade, a Europa mostrou antes a sua cara dura. Fechou fronteiras e ao mesmo tempo alguns países, na Europa do Norte e de Leste, disseram não ter qualquer responsabilidade de ajudar a Grécia."

As esperanças Costa e Centeno

Apesar do pessimismo, Alexis Tsipras vê uma saída, que passa, em primeiro lugar, por uma mudança na Alemanha e na forma como as instituições não eleitas da UE tomam decisões. Quanto à Alemanha, "os alemães têm de perceber que o seu futuro não passa por criar uma Europa germânica mas sim por uma Alemanha europeia"; em relação a instituições como o Eurogrupo, por exemplo, "as decisões são tomadas sem se saber alguns pormenores do que é discutido lá dentro" – e é aqui que o ministro das Finanças português, Mário Centeno, pode ter um papel importante se for eleito presidente do Eurogrupo, esta segunda-feira.

"Centeno, claro, é uma candidatura muito esperançosa. A primeira coisa que ele tem de fazer é criar mais transparência no funcionamento do Eurogrupo. Não decidir à porta fechada. Nos últimos oito anos, o Eurogrupo foi um grupo em que os ministros das Finanças da Europa discutiram muito, mas no final a decisão era o que Wolfgang Schäuble quisesse fazer. A decisão era o que fossem as intenções da Alemanha. Isto é a realidade."

De Portugal sai uma outra esperança para Alexis Tsipras, que passa também por Mário Centeno e pelo Governo liderado por António Costa com o apoio parlamentar do Bloco de Esquerda, do Partido Comunista e dos Verdes.

"Para nós, Portugal é um paradigma muito positivo. Em primeiro lugar devido à cooperação de diferentes forças de esquerda. Forças progressistas. Uma das desvantagens das forças de esquerda é que nunca cooperam. Por isso, é um bom exemplo de cooperação. Mas não só. O facto de Portugal ter ultrapassado a crise com um desempenho muito bom na economia, que tenha criado espaço para apoiar os mais vulneráveis e implementar políticas sociais é uma boa história de sucesso da esquerda. Mostrou-nos o caminho para, quando sairmos do memorando, fazermos o mesmo", conclui o primeiro-ministro da Grécia.

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