Governo promete à esquerda alargar a isenção do IRS

Com o aumento do salário mínimo em 2018, o PCP, o BE e Governo negoceiam uma subida do mínimo de isenção do IRS, actualmente nos 8500 euros. Em cima da mesa está novo valor em função do indexante dos apoios sociais

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O crédito fiscal para as famílias já isentas de IRS, que chegou a constar do Programa do PS, é um cenário afastado nas negociações Diogo Baptista

Feitas as contas, o Governo voltou à mesa de negociações do próximo Orçamento do Estado com uma proposta menos ambiciosa de revisão dos escalões do IRS. Com pouco mais de 200 milhões de euros disponíveis – aumento visto como muito curto pelos bloquistas –, apresentou não uma descida de impostos para o segundo e terceiro escalão, mas apenas no segundo, encontrando uma maneira de isentar de IRS mais alguns contribuintes de rendimentos mais baixos, confirmou o PÚBLICO junto de fontes dos dois lados da negociação.

O ponto de partida para esta solução foi lançado há alguns meses pelo PCP, embora o cenário em cima da mesa não siga exactamente a fórmula que os comunistas pediram. O PCP defendeu que o chamado “mínimo de existência” – que na prática garante a não tributação dos rendimentos mais baixos, até 8500 euros líquidos por ano – deixe de ter um valor fixo e volte a ter como indexante o Salário Mínimo Nacional (SMN). O Governo abre a porta a um aumento do valor do mínimo de existência no IRS, mas a proposta para 2018 é que o valor passe a ser calculado em função do IAS (o Indexante de Apoios Sociais).

Dependendo da fórmula, o efeito prático poderá ser igual ou aproximado: isentar do pagamento do imposto umas dezenas de milhares de famílias com salários baixos. Aos olhos dos socialistas envolvidos nas negociações, a opção pelo IAS tem a vantagem de não colocar um “incentivo negativo” sobre o Governo para travar novos aumentos do ordenado mínimo, sabendo que essa actualização isentará de IRS mais pessoas.

O IAS, actualmente de 421,32 euros, é mais baixo do que o valor do SMN (557 euros) e tem tido uma progressão mais lenta. Esteve congelado desde 2010 e só voltou a subir este ano. A sua actualização depende da média da inflação e da taxa de crescimento média anual do PIB dos dois anos anteriores.

No PCP e Bloco, a reacção foi de decepção. Os dois parceiros admitem que esta solução é positiva, mas insistem que Mário Centeno tem que ceder mais na questão do IRS - beneficiando também quem está hoje no terceiro escalão. Há quem fale num balde de água fria, tentando ainda descortinar se esta é uma táctica negocial, ou se o cenário colocado em cima da mesa mostra que o Governo quer concentrar os maiores benefícios em 2019, ano de eleições legislativas.

Hoje, quem tem rendimentos de trabalho dependente ou de pensões abaixo dos 8500 euros não precisa de entregar a declaração de IRS se os montantes não tiverem sido alvo de retenção na fonte. E como em 2018 o salário mínimo deverá voltar a aumentar – para 580 euros, segundo o Programa de Governo –, o valor anual (8120 euros) aproximar-se-ia ainda mais do actual mínimo de existência do IRS, o que leva o Governo e os parceiros de esquerda a negociarem uma actualização deste limite.

O que o código do IRS prevê é que da aplicação das taxas progressivas de IRS “não pode resultar, para os titulares de rendimentos predominantemente originados em trabalho dependente ou em pensões, a disponibilidade de um rendimento líquido de imposto inferior a 8500 euros”. O valor foi definido pelo anterior Governo no Orçamento de 2015. Até aí, o limite correspondia ao valor anual do salário mínimo acrescido de 20%. Hoje, se essa regra ainda se aplicasse, o mínimo de existência em 2017 seria, em teoria, de 9357 euros.

Alívio para 1,6 milhões

No IRS, ainda nada está fechado. Na terça-feira, o secretário de Estado Pedro Nuno Santos deu conta à Lusa do número de beneficiados com as alterações que o executivo pretende fazer no imposto sobre os rendimentos: 1,6 milhões de agregados, corrigindo um primeiro número de 3,6 milhões.

Se as alterações incidissem apenas sobre o segundo escalão, não chegariam a 1,2 milhões, segundo os últimos dados disponibilizados pelo Governo (de 2014). Tendo em conta a dimensão de contribuintes que já estão isentos por terem rendimentos baixos, poucas hipóteses parecem restar senão alterar os limites dos escalões, incluindo o actual segundo, passando a abranger alguns dos contribuintes que hoje estão no escalão seguinte (o terceiro, com cerca de 360 mil agregados). No Governo, para já, garante-se que não há alterações ao imposto neste terceiro escalão. Mas admite-se que as negociações vão prosseguir.

O que está completamente afastado é o crédito fiscal para as famílias já isentas de IRS, que chegou a constar do Programa do PS. Mas o Bloco não concorda com a medida, defendendo que ela incentivaria a criação de emprego com salários baixos. Ao PÚBLICO, uma fonte do Governo confirma que a medida caiu.

Na próxima semana, as negociações com BE e PCP voltarão, desta feita à mesa com os ministros das Finanças e Segurança Social, que têm nas mãos os dossiers mais sensíveis – impostos, carreiras do Estado e pensões. Ainda não está definido se as reuniões serão sectoriais ou conjuntas.

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